quinta-feira, 31 de março de 2011

FÚCSIA

Pérolas miúdas na noite branca do sonho,
impedem as lágrimas de cair no manto azul
do cálido mar. Espraias-te em lamentos
...do que não foi. E entoas o canto do futuro.

(É nas pérolas dos teus dedos que deponho
O trunfo e a glória da noite que se avizinha.)
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É em ti que acontecem estreitos abarcamentos
na ode cantada na rua estreita, onde és Comigo.
És Fado e és Canção. Turbulência e tremor, onde
dás as mãos a um amor que não queres mas És.

(É nesta rua que o canto se expande e o beijo esconde
a eterna vontade de estarmos sós, num sol-abrigo.)
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É no abrigo da noite que não cantas em vão…
Cais… e vais para dentro de ti no cântico de anil
que a erva-doce emana. Coras de azul o coração
que, em mim, ainda habita. Uma parte dele voou.

(Suas asas curtas, ora habitam em ti. Voeja. E fica…
…coração de rémige altaneira que a si próprio habita.)
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____ Habitante de ti…augúrio em forma de ave._____

Rema na noite o arrepio emocionado do encontro e
da perca da sobranceira razão. Rua estreita que se alarga.

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.voo a noite de mim.

.chave.
.TU.




(Susana Duarte)

terça-feira, 29 de março de 2011

Caminhos

Construímos caminhos em teias de diamante,
em percursos adivinhados. Em cada instante,
tecemos esperas e demolimos sonhos errados.
Reconstruímos aqueles que a ave-luz da vida
nos permite alcançar. E tecemos encontros.
...Amar. Perder. Encontrar. Tecer luzes em fios
de prata, em aros de ouro, em quadros-memória
e olhares que douro em tons de mel e de urze.
Na tessitura das águas que escorrem do olhar,
permitimos as flores do abraço e do beijo. Vida.
Árvore frondosa que floresce, sofrida. Vejo-te.
...e o caminho empreendido é a estrada do dia,
da chuva, do lugar escolhido, do futuro que via,
nas noites e dias dos lugares da infância. Sorria.
.......E era sempre noite. E era sempre dia........

Susana Duarte

domingo, 27 de março de 2011

LUNÁRIO






O tempo da noite,
dizem,
é a escuridão
… obscuridade.


Ao invés, na noite,
creio
residirem as luzes
da paixão
…e da saudade.

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…e a lua ergueu-se, redonda e clara.
Iluminou os amantes e a visão rara
De um azul cobalto que brilhou ali.
Vi o teu rosto, e no teu rosto, me ergui.

A música do plenilúnio, é um mundo
de cores. Elevação das flores na voz.
De mim, em ti, em mim me confundo…
Tens voz de quimera, fantasia veloz
que simboliza a perda da razão e da voz
com que um dia…um dia…gritei no precipício
onde a noite, deserta, tinha ido repousar…


A pergunta, urgente, da lua é: sabes amar?

(Susana Duarte)

sexta-feira, 25 de março de 2011

Mel da noite
que escorre em
flor sobre
as luas das
noites das
...ruas
onde uma mulher
sozinha
exclama a terna e
pacata lucidez de
ser

em si bemol


Susana Duarte

quinta-feira, 24 de março de 2011

NOCTÍGENO

Há uma mulher que caminha.



Segura. Erguida pela fé de umas asas negras que



se desprenderam de um precipício.






A seu lado, um vulto solar. Cabelos



soltos de cavalo alado. Branco. Livre,



alado. Serenador?...




A mulher é dádiva de afectos,



mas pródiga de liberdade. Caminham lado a lado.



A mulher. O vulto. O cavalo alado.







Ela dá asas ao grito lancinante. Caminha



numa estrada onde o amanhã incerto a devolve



a uma estrada de pedras luminescentes.






Ela não sabe se saltará.



Ela não sabe se saltará.



Ela não sabe.







Mas é para lá que vai. Incertos



são os passos onde as pedras lhe asseguram



o chão difícil. Talvez, amanhã, talvez...







...o vulto alado a traga de volta



a si. A si. A si. A si…



Onde pára a alegria?







Onde vive a tristeza?



Onde mora o sonho antigo,



levado pela correnteza de um rio absurdo?...







Mudo.



Mudo, o sonho. Mudo, o caminho.



Talvez se trate, apenas, de um cruzamento.







É o cruzamento onde as margaridas



florescem. As magnólias perfumam a



noite. As fadas brincam com dedos de trigo.







O cavalo alado agita a névoa



e dissipa o precipício. É nele que habita



a estranha luz da noite azul.







A mulher caminha.



Caminha numa alvorada rosa.



Caminha com pés de rosas.



Caminha com pedras.



Caminha com flores. Caminha com sonhos.



Decidiu.



Vai saltar para as asas do cavalo branco.



Vai sonhar um sonho de madrugada.



Vai deixar o dia recomeçar.



Vai pela vida com dedos de seda.



Vai pelo caminho quetrilha.



Vai.



Vai.



Vai.











O vulto alado que a acompanha pacifica



a necessidade de precipício.



Anjo. Vulto indefinido. Cavalo branco. Ser alado.



Viagem.





(Susana Duarte)

terça-feira, 22 de março de 2011

LUMINOSA

O sol passou no equador, tornando iguais a noite e o dia.

Marulhado o teu olhar, em onda esguia de sal, no mar,

nasceu Poesia. Nasceu em olhos azuis apolíneos, calmos

de magnólia branca e perfumada. Nasceu de tuas asas

brancas, de criatura alada. Nasceu de gestos suaves. És.

Poesia. Encantamento. Meio-dia. Despojamento. És. Sol…



No ocaso que doura o céu de rosa e laranja, põe-se a luz

sobre teus joelhos. É poesia a cor dourada que serpenteia

um horizonte azul. Velhos. Velhos os sonhos e a luz da candeia

que alicerça a vista noturna de quem sonha a vida na ponta

de uma estrela, de um mundo de faz-de-conta e centelha

luminosa num olhar de poesia. Poesia e cheiro a mar. Maresia.



Em teus ombros iluminados, desce o sol que amou a noite.

Dizes…sonhas… iluminas a estrela que, em ti, pernoite. Luz

incandescente, de ave que ruma ao sol que se põe. Brilho lunar

que, em ti, se expõe. Poesia. Palavra atirada com uma flecha ao

infinito, onde sobrevive o grito das pupilas dilatadas e o grito, o

grito solar de quem ama o dia e, amando a noite, traz em si POESIA!







Susana Duarte

quarta-feira, 16 de março de 2011

Loa

Loa



De azul se vestiu o âmago de ti. E de ti se fez louvor num peito só.
Apologia das aves raras… vesti a cor do teu ser. Voei. Fui pó.
E refiz-me nas ondas de uma música cantada em ti. Pauta de um olhar...
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Aura

Atalanta: borboleta e planeta. Voo e paragem. Contradição.
Descoberta de uma estrela em argo: borboleta e constelação.

Descobres em mim o ser vigilante da noite de outrora, noite
acontecida, argo de mil olhos, navio de ti no mar que ondeia
e, feito o dia no seio do luar, permites que - em ti- pernoite.

Pernoito na aragem que cicia um poema escrito por ti, aqui,
onde o meu corpo se fez fotografia do teu olhar-olhar-olhar
que trespassa a aura das estrelas. São flocos de ar teu, de ti,
na fresca aurora que o sopro da vida me deu a amar.amar.amar.

Cicias por entre as flores verdes de uma gema que flutua além,
onde a vida acontece agora. Noite de outrora. Noite onde estrelas
brincam em minerais de pó. Onde o pó arrasta memórias. Sombras.
Onde sombras vivem histórias. O que foi volta a ser. És, tu, também
a fonte antiga da aragem, a constelação longínqua, as aguarelas
com que pinto auroras boreais, estrelas cadentes e… a
Luz que és.

Susana Duarte

terça-feira, 15 de março de 2011

URÂNIA

Crisálida em flor numa manhã flutuante
..navegante dos rios dos rios onde se inventa
a luz rubicunda que se alimenta do instante;
o momento e o saber da eternidade fecunda,
no instante que se alimenta da luz rubicunda…

…e és Borboleta. Urânia brilhante, leve, divagas
na Aurora de uma noite anterior onde te sabes Luz,
Foste marinheiro de teus olhos em mim; paravas
a noite se a Noite fosse tua, para quebrares um feitiço
que da noite, te fez dia… e do dia, fez um esquisso…

Um esquisso é um traçado do que pode ainda ser…
um canto… um projeto… melodia do amanhã incerto
que em cada estuário de encontro, no rubro entardecer
quebra a lua do desenho onde inscreves o poema-maresia,
fluxo-refluxo de um Oceano em ti. Olhos- romã. Poesia.


...e és o meu Ontem, o meu Hoje e o Amanhã. Beijo
de ave, rosa de romã. És os tempos dos tempos de um dia
remoto, em que fui lua, falena, tempestade e maremoto;

…em ti, que me deixaste ser tudo, serei o riso que o sol
deixou; a borboleta que nasceu da crisálida; o mundo
que és, o mundo que sou. E em lenta albufeira de repouso




da areia….



encosta as tuas asas…estás na praia onde resides…



Susana Duarte

sábado, 12 de março de 2011

QUADRIFÓLIO

Nascem trevos das pontas dos teus dedos, e de teus trevos nascem flores
azuis. Dedilhando canções ou…trocando segredos, as flores são sonhos,
as flores são medos, litania cantada em noite de trovoada e as palavras…segredos
... ( de noites sem fim).

Segredos sussurrados onde demos a mão e seguimos na eira, povoada
por fantasmas de outra canção. Saio de ti, em ti saio de mim, e entro na água
que me percorre, no seio da lua onde deixei a Luz incerta abrigada
(e os trevos me deram a mão).

As barcarolas seguem caminho onde sonhei… nascem segredos da ponta
dos dedos. Fico de mão dada contigo, e de ti leio sinais. Sinais de passagem,
sinais de ilusão… sinais de sinais na ponta da mão onde o sol desponta
(e a noite entoa-te em mim).

Nas palmas, nas palmas das mãos, tens trovas invulgares e séculos de paixão,
cantados num Cancioneiro onde agitei a luz e te disse que estou aqui, de vento
na lua e dedos na alma, onde um sábio guerreiro parou e lavou a voz da solidão
(de trevos que nascem da tua, de trevos que nascem da minha mão).


És o Romanceiro onde o sol flutua e a noite é a voz que acalma o canto
da coruja. Pois és vida e saber, reflectidos na água, sussurrados na planície
onde a estrela branca do dia encantou e sussurrou a promessa e o encanto.
(E ali, jurou… ).

E da jura, nas pontas dos dedos nasceram trevos. Erva-do-amor. Flor
eterna, eterno trovador, que as asas do sol e o azul do mar, fizeram terna luz.

(Nascem trevos)
………………….das pontas dos teus dedos……………………

(Susana Duarte)

terça-feira, 8 de março de 2011

ACROAMA



Canta em mim, tangedor de sons de céus divinos em terras de terra finita…...
Diz-me. Diz-me a pauta das notas do calor de um céu de Verão na Alma.
Luzem os pirilampos na noite escura e calma. O metrónomo marca o compasso
e o passo marca o tempo, onde sem flor e sem aço, fazes em ti, em mim, aqui, um juramento de luz que refulge na tessitura dos olhares.
Qual é o verbo que conjugas em mim? Conjugas os verbos das flores, dos mares, do poetar. Conjugas os sons das baladas em que o teu olhar solta a maré sobre mim. Conjugas palavras de terra que germina. Derramas na terra o Ser que és: brilhar,para ti, é apenas um grito que vem de dentro e te leva a ser Céu em mim…
Ser no mundo. Ser assim. Fio de luz. Raio. Luar. Estrela… Ser em mim. Ser em ti. Ouves a canção que ouço? Um carme desfia as teclas de um piano imaginário. Impões a harmonia num sonhar de pele e de imagens, de mãos de seda e toques fortuitos, de harpa iluminada e cantos antigos, onde um baú deixa voar da terra-chão, a cor do trigo, a cor do mar, o verde prado, a jóia eterna, a luz do dia e o rosário desfiado no canto de uma sereia feita de limos onde desliza uma balada azul, azul, azul.
Como o Verão. Como tu. Sussurro-te, aí, na distância de um rio, no oxigénio partilhado, no sonho que me flutua…candeia acesa na noite. A alga flutua. Dá-me as mãos e poisa-as na lua. O CANTO HARMONIOSO que és procura a raiz do sonho que os lugares ocultam.

Desoculta-os com os olhos. Vão mais fundo que a raiz do mar. Deslumbramento.

domingo, 6 de março de 2011

VIATÓRIO


Vou percorrer os caminhos onde alamedas guardam as noites de lã

junto ao bívio onde se decidem caminhos e guardam romãs.

( a fruta vermelha e o céu irreal, onde o óbvio e o aparente se misturam).



Na viela tortuosa onde a linheira se encima à janela das flores

irei saber de todos os mundos guardados nos dédalos das cores

(e de todas as evidências dos meus sonhos que, pensados, se fraccionam).



Na eira, debulha-se o cereal que se multiplica na mesa, no pão e na casa;

lá, habita a ave que voa no arvoredo onde dormem o ovo e a asa

(e as cores das giestas sabem de cor onde os errantes viajam).



Estranha ladeira que percorre o chão da ave que traz no bico o algodão

com que teço as esperas num envoltório de pano bordado vivente na mão

(e as flores das romãs trazem os becos onde a noite cai e as ruas cantam).



Há um caminho onde trilhas a noite nas tessituras dos olhares pernoitados

e as ramificações dos dias são as noites do sol; onde os caminhos andados

são lábios que se beijam na ponta das estrelas que te habitam. Sabedoras de ti,

aves circulam pelas vias das flores que desabrocham na raíz do peito aqui,

onde trazes pétalas de rosas, pétalas de hibiscos, pétalas de frésias, pétalas ali,

no jardim das encruzilhadas dos jardins subterrâneos onde escondi as asas.



Na neblina, declina-se o verbo do teu ser. Nas asas da noite, o azul em ti.



A cada órbita, o sol és tu. Roteiro das bermas onde posso repousar.



Susana Duarte

Variação sobre Montaigne

Dizia Montaigne que

“a mais subtil loucura é feita da mais subtil sensatez”…



Talvez seja a cisão,

ou a corda tecida por Clotos, Láquesis e Átropos

(Nona, Décima e Morta)



Anjos ou Demónios ,belas damas fiandeiras

Plantas cegas trepadeiras



Talvez seja a profética loucura de que falava Sócrates,

Ou a loucura ritual do êxtase das danças..



A loucura amorosa como a lucidez cessante

Vento morno e vendaval.



A loucura poética das filhas de Mnemósine e Zeus



Criação, delírio, razão para além da Razão,

Ou a perda. Perda. Perda.

Alegria e insensatez.

Euforia. Lividez.



Contradição hegeliana. A loucura é.

Desejo, Salvação, Sanidade, Oscilação. Sombra.



Necessidade. … ou a foucaultiana necessidade de uma nova subjectividade.



Paradoxal heroísmo,de se saber Ser.



Louca sensatez. Insensata verdade.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Candeio

Foto: http://www.prof2000.pt/users/avcultur/sergiopsilva/engui0100.htm



É a hora das luzes das vozes das névoas

vozes feéricas de sonhos distantes

fadas duendes luzes sem fim, próximas do poema

distantes de mim.

É a hora das horas das luas e do sinal

do sinal de um relâmpago iracundo

gotas de chuva intensa que derruba a mágoa

limpando a poeira densa.

É a hora dos seres que a mitologia criou

das Ninfas, Sereias, Górgonas, Quimeras

longas noites de prolongadas esperas

sonhadas. Ventosas. Venturosas esperas.

É a hora da lua e do uivo da sereia e lobisomem

canto que divide a seara e o homem

assustadoras criaturas escondidas sob o manto

de ilusões ofendidas.

Ergue-se a voz e eleva-se o canto

espera-se a Noite e a sua permanente ilusão.



Quem ora aos deuses antigos adivinha-lhes a canção.



(É de noite que se pesca a fosforescência)

Susana Duarte