as pessoas são estranhas, entranhas de coisa nenhuma, cheias de vento
onde as mãos se acobardam. as pessoas são assim: uvas apodrecidas
pelas chuvas de verão, inconstantes e incoerentes como as nuvens e os gestos
que dizem ser, mas de que nunca são capazes. as pessoas são assim, estranhos
movimentos em redor das luzes, das quais fogem quando alguém as acende
e, por dentro, as incendeia de um fulgor que temem. são apenas pessoas,
e as pessoas nada são, senão as sementes do que, um dia, na infância, sonharam
ser. e não são. são apenas pessoas, híbridos de luz e escuridão, de palavras
sem corpo, e de corpos de nada. de nenhures. de coisa nenhuma. porque são
finitas, ao contrário das pedras, elas próprias erodidas pelo vento. as pessoas, não,
são apenas isso: pessoas, finitas e frágeis e receosas das intempéries que residem
nos olhos dos outros. protegem-se atrás das palavras, e nada são, senão
o que sonharam ser, num tempo longínquo de amoras bravias colhidas pelas mãos
pequenas, de cerejas tiradas do alto, mais maduras e grandes, sem medo de cair,
e de dedos-de-bruxa colados aos dedos, encantadores e roxos na sua simplicidade.
as pessoas são estranhas, entranhas de coisa nenhuma, cheias de vento
onde os gestos se acobardam. são assim: coisa nenhuma. são medo e fuga.
as pessoas são apenas isso, e por isso, nada são.