segunda-feira, 28 de janeiro de 2013


ama-me, nos círculos que me desenhas
e nas ondas com que me moves.
desenha-me nuvens
nos lábios.

ama-me, e redesenha-me o corpo.
redesenha-me os dedos
com a língua
e o fogo.

descobre-me sóis, onde me deito,
e desenha-os nos teus poros,
grutas de fogo do meu leito,
onde vives a pele
e me amas.

ama-me. e desenha em mim
os futuros que as ondas
de sol levantam
nas mãos.

susana duarte


sábado, 26 de janeiro de 2013




encontro-te nas luas azuis
de todas as marés do meu corpo,
e em todas as marés, encontro as noites
perfumadas de mirtilos. encontro-te

em cada onda que morre e em cada maré viva.

és, de todas as praias, a mais rubra
manhã dos meus olhos quando, em cada movimento,
ondulas seiva e me respiras.

encontro-te onde as frutas
me perfumam com a luz dos teus olhos,

e o azul-maré-recanto dos teus olhos, é a vida
que me cresce dentro e ilumina as veias
onde navegas. Mais não somos, senão ondulações
das letras
com que escrevemos o futuro

sobre o qual caminhamos.

susana duarte



DESPIDA

Tenho os sentidos despidos de ti,
e de ti vestidos
na montanha de luas antigas,
na sáfara atravessada de rugas,
na territorialidade das névoas,
e na eternidade dos olhos.

De ti, retenho em mim a pele,
e na pele
dispo as cátedras do que sabia antes,
em dias que não sei,
em tempos e lugares onde fui outra,
em tempestades que retive na sombra
dos tecidos
do corpo.

Do corpo, despi-me na neve
e na neve das noites
enchi-me de ar,
volteei em ondas de som
e deixei-me encantar pelas nuvens
da mente.

Resido nas pontas feiticeiras
de um saber antigo
e dispo-me dos sentidos:
olhar,ainda que despida dos olhos;
sentir, ainda que sem tocar;
escutar, ainda que os ouvidos
alados
se tenham tornado viajantes
onde torres caem e mistérios
se levantam
nos dias
que sou.


Despi-me de tudo.
Prossigo em ti.

Susana Duarte

dias sem fim

noites imensas

a lareira, um piano, os sons da noite e

eu. e tu. ausentes memórias de corpos passados.

ausentes histórias dos dias

dias eternizados nos olhos

vazios


susana duarte




segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

percorro-te caminhos situados nas nervuras das veias
e subo montanhas onde os poros se revelam aves soltas

as montanhas são heras trepadeiras que voam rumo
a lugares que não sei. deusas conspiram para que as asas

quebrem

e a queda sobre as ervas madrugadoras seja a realidade
imposta às sonoridades dos meus olhos. os olhos

não te vêem e,

na queda das águas da manhã, não seguram a tristeza.
amar-te é a queda das folhas sobre gotas orvalhadas
de uma montanha longínqua. e as sobras das neves.
percorro-te. sonho-te. sinto-te onde não te vejo. estranho

as auroras

pálidas do desejo de ser água. percorro-te. sonho-te.
sinto-te onde não te vejo. as danças pagãs pararam

nas portas das montanhas cobertas de gotas orvalhadas

pela tua longa ausência. sei-te onde não estás. percorro-te
marés e encontro-te nas portas da noite. de olhos fechados.

Susana Duarte

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

sereno a alma com a perfeição dos teus traços

neles, seguro a ponta dos dedos vestidos de asas,
 
e sonho contigo

espelho, na boca, a maravilhosa perfeição das tuas mãos
e aperto os sonhos por entre os dedos
 

 

 serás sempre uma rocha imensa no meio deles,
e deles, jamais, sairás. espero-te, no diamante azul
dos teus olhos, que sobre mim dormem.

susana duarte

sábado, 12 de janeiro de 2013

ESPRAIAMENTO

Não quero ir para além do mar… Quero ficar na areia, onde posso dormir.

Não posso desviar-me do caminho da praia. Encontro, nela, asas perdidas.

Sabes de mim? Resido nos olhos da areia que se descola da ave.

Resido nos seixos que se escondem na rebentação das ondas.
 
Descubro caminhos erguidos nas dunas.

E nelas enceto viagens de mim em mim.

________De mim em ti._____________

Derreto pedras no calor das costas.

Mostras-me o caminho das areias…

Movo-me nos teus braços.

Navego-te, nas tuas pernas.

Deito-me.

Algaço.

Susana Duarte
"Pescadores de Fosforências"
ISBN: 978-989-8590-02-2
Edição: dezembro 2012
Editora: Alphabetum - Edições Literárias
Autora: Susana Duarte

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

vou atravessar o corpo das coisas,
para nelas rever as amoras rubras
do teu peito, e encontrar luas novas

nas sombras dos olhos onde me deitei.

em ti, atravessarei o corpo estranho
de todas as coisas
onde não estás.
...

saberei das tuas mãos, flores
impressas
nos seios,

para depois as atravessar e, içada
pelas faixas de luz da tua voz,
reencontrar os fantasmas
de um comboio invisível,

que retirarei dos ferros das mãos
que te deixaram atravessar as portas.

lembrar-me-ei das mãos,
impressões digitais dos olhos e dos dedos
sobre as veias e todas as amoras
do meu corpo.

atravessarei o fio invisível da partida,
para saber se setembro

foi o corpo das coisas,

que se agitam ante a ausência
da tua boca

sobre mim.

Susana Duarte
 

domingo, 6 de janeiro de 2013

mãos de alabastro
sobre as asas dos poros:
coincidências nas linhas e nas veias,
onde resgatas aos dias a morte dos sentidos.

susana duarte
sauda-me a tristeza, a partir das janelas de onde, antes, brilharam estrelas de vida, ante a visão de ti e das tuas carícias. sauda-me, e eu deixo. sauda-me a saudade, e eu deixo. sauda-me a vida que tive dentro, quando contigo sonhava. e eu deixo. saudas-me tu, no abraço demorado que me deste e, todavia, me prometes. e eu deixo. sauda-me a tristeza, mas não te deixo partir. sauda-me a vida antes ...de mim própria. e eu deixo. sauda-me o brilho dos teus olhos. e eu deixo. neles vivo. neles morro. e eu deixo que a vida me preencha de vida. e eu deixo que a vida me preencha de morte. e eu deixo. mas deixo sobretudo que o sonho não morra. deixo que me vivas. deixo que me habites cada movimento das pálpebras. deixo que me sonhes. deixo que tenhas saudades de mim. mesmo quando a tristeza me habita. mesmo quando a saudade me desespera. habitas-me. não sei ser sem ti.

susana duarte
descanso
sob as asas ocultas
nos seios

dos teus braços;

sob o sol poente
da noite 


 do meu ventre;
sob as águas da tua boca
e da corporalidade
do teu ser
descanso
sobre as ondas

descalças

dos poemas
que jazem nas linhas
das axilas,
onde encosto as linhas
do rosto antigo,
e me permito sonhar

cálidas
rubras
manhãs
em que acordo em ti.

susana duarte
dormiria sob a luz dos teus olhos,

em ti, anoitecendo

e, em ti, caminhando
por sobre diagramas de linhas cruzadas

anoitecidas
desencontradas 

e, talvez,

apenas...
linhas de vidas cruzadas, amibívios

de escolhas e soturnas melodias


anoiteceria em ti, onde as luzes
calam as sombras

e a vida

se refaz, rarefeita que era,
sublime sombra de ténues olhares,

onde anoiteci


em teus olhos, adormeço e sinto
as formas das tuas mãos

que se desenham
e me desenham

e nos projetam lá, onde os olhos sobrevoam
as águas
das nossas línguas

e o suor das nossas mãos


adormeci em ti, e em ti
soube da noite clara e eterna,

ao som das gotas e da chuva que, de teus braços,
desce

iluminando os poros
e dizendo-me quem sou.

susana duarte