sábado, 31 de agosto de 2013

Opacidade 


vou ser borboleta negra, de douradas asas

inexistentes, subitamente dispersas
sobre cumes onde crocitam negras gotas
de chuva, de sal, de fogo, de fugas, de fátuos
e vagos movimentos, lentos, estranhos, solitários.

vou ser a sombra que transpareço,


nas ervas verdes de um chão sem nuvens,
aladas, translúcidas, ensimesmadas e brancas
como rododendros desconhecidos, e o branco pano

da seda que, nos olhos, me antecede os dias
e tolhe da sabedoria das coisas simples, raras pérolas
negras, como os corvos que me habitam, e me tiram

luzes do peito, e me escrevem sombras nos olhos,

e me falam de casas com flores, onde o som das águas
é oco, surdo, como os passos que dás. e não vejo.

_____________________________________________
sobrevoo as linhas naufragadas


susana duarte

“He promised her that he would give her everything, everything she wanted, as men in love always do. And she trusted him despite herself, as women in love always do.” 
― Philippa Gregory, The White Queen






sexta-feira, 30 de agosto de 2013

“All extremes of feeling are allied with madness.” 



COPO

Beijo-te através de um copo de vinho 
                                                que é sangue e é corpo.
Beijo-te através das letras que as minhas mãos te desenham
                                                                                                    no rosto.
As mãos desenham-te arabescos de vida,
                                                                e eu, sou um porto.

[As vielas da vida são as estradas iluminadas dos teus cabelos de sol e mosto].

Beijo-te, no cais dos dedos,
                                de onde partem carícias e segredos.

[amo-te na flor da noite e do leito, como o copo de vinho que se entrega à boca voraz].

Aqui, a teu lado, o meu corpo.

Jaz deitado na face da lua, onde
                                  és homem, e eu, sou maré nua.

As algas das noites solitárias espraiam-se no leito.
                                           O teu corpo: é nele que me deito.

[As algas das noites solitárias morrem no calor do meu peito
O teu peito é a aurora tingida de sangue que verte das lágrimas de um Fado].

Eu, aqui, beijo-te o corpo de vinho
e sal e pedras e flores e pontes e portos e chegadas.

E luas. E asas nuas. E Alma…quando me iças nos braços
e deitas, sobre mim, marés de laços que não se desatam e, de ti,
                                                                                                     me não tolhem.

[Pode vir a chuva].

Se a chuva vier devagarinho, na noite,
se a chuva vier violenta, na noite,
serei a luz do sol que te enxuga as lágrimas da despedida.

Deita-me sobre a lua e abraça-me a noite da partida.

Bebo-te o corpo de manhãs claras
e celebro em ti a vida,
e as veias,
e o copo de vinho,
e a luz
e as imagens
e as marés que me percorrem dentro de uma mão.



Susana Duarte
"Pescadores de Fosforescências"
Alphabetum Edições Literárias
Dezembro de 2012
Prefácio: Maria Elisa Ribeiro
Fotografias: Ivano Cetta



quinta-feira, 29 de agosto de 2013




“Nothing thicker than a knife's blade separates happiness from melancholy.” 
― Virginia Woolf, Orlando





quarta-feira, 28 de agosto de 2013

FRAGMENTAÇÃO

Teimosamente, desvio o olhar da noite
que se concentra, bela… nos teus olhos.
Demoradamente, o bailado das estrelas
poisa-se nos nossos rostos, e os escolhos
marinhos são, apenas, os rododendros 
brancos, no seio de um bordado, escrito
_________nas tuas mãos____________

É nas mãos da tua serenidade que resisto,
e afasto as têmporas de uma dor antiga.
Revelo, em ti, os medos, como se fosses
espelho de um luar sem nuvens, oculto…
num baú velho, onde se guardam Outonos
e outras idades, e onde brilharam escamas
_____em sereias aladas, e em mim______

Escrevo  palavras dos olhos que se movem
no poema assustado que a rocha traiu….
…deixou cair o sonho indiscreto que te fez
e transformou em água o pó das rochas.
Caiu, e ficou no fundo das pedras do mar
azul. Caiu e transbordou a incerteza traduzida
______na hesitação do beijo_____________

A dúvida que me habita é um número primo.
Cai uma rocha da falésia. Um pescador dá
o nó a uma corda-grossa-áspera, onde me
ato, e desencontro de mim. Fragmentação
das ondas e fragmentação do Ser, numa folha
de jasmim, de um chá que adivinha amanhãs.

                                                                   Inquietude e agitação num olho.
                                                                   Invisibilidade e angústia na mão.
                                                                                    Solidão agitada, na onda viva
                                                                                    que, avassaladora, me deixa só.

Susana Duarte
"Pescadores de Fosforescências"
Alphabetum Edições Literárias
Dezembro de 2012
Prefácio de Maria Elisa Ribeiro 
Fotografias de Ivano Cetta



Foto colocada neste post: um leitor do "Pescadores". Foto gentilmente enviada pelo meu amigo João Carlos Lobo, fotógrafo (https://www.facebook.com/joaocarlos.lobo?fref=ts), e que tomo a liberdade de, aqui, reproduzir. Obrigada aos dois!


domingo, 25 de agosto de 2013



SOU

Eu sou aquela que te olha e te vê,                             que te olha nos olhos claros e sabe das flores da noite e dos filmes de Jeunet. Eu sou aquela                                                 que acaricia os dedos das tuas asas e as asas dos teus olhos                                                            e as lágrimas do orvalho que me cai do corpo quando a maré me enche e, em ti, cai,                                                absoluta como uma maré enluarada e violenta. Eu sou aquela que,                                   do alto das neves, sorri perante as asas da águia que voa e plana e rasa                                     no céu dos teus olhos serenos e belos,                                               eternos como os Noturnos de Chopin. Eu sou aquela que te perfuma de flores de maçã.                                                             Olho-te nos olhos da fruta e pergunto às mulheres que passam                                                     se apenas de sonho me vesti. Foi nos teus olhos que me vi.                                     Foi na espiral que descias que, a ti, me juntei. Eu sou aquela que se perde nos labirintos,                                                     onde todavia me achei. Onde nasci lua prateada perdida escancarada de desejo                                               de ser Cheia. Eu sou a tua candeia. E a noite onde te escondes.                                                                     E a voz com que respondes                                                                 e me olhas na solidão das estrelas que, de tão belas, me tolhem da escuridão e levam a fazer a viagem.                                    És em mim a ramagem de auroras desfolhadas                                              e sonhadas e escritas num poema, concreto e táctil, onde sou em ti e és em mim.                                                        Loucura de amor. Loucura de prata escrita numa mata                                                                e nos olhos de um gato que se cruza no branco luar da noite.                                                                        Loucura das fadas que nos jogam sobre as asas                                      os pós de uma magia que, de rosas, se tingiu.
Eu sou aquela que te olha e te vê,                            como os mirtilos das noites de Kar Wai Wong.
Como os mirtilos e deixo-te olhar-me.                                                  Mordo-os, sujo-me com eles, e sou feliz de azul-mirtilo-engolido                                                         numa noite onde me olhas e deixas estar assim, sentada, sobre um sonho de uma noite                                   onde uma jovem adormeceu sobre o balcão de um café. E foi beijada.                                Queria ser beijada agora, ainda que fosse uma amora que me tingisse                                                                           os lábios.
Eu sou aquela que te olha do alto de uma colina                                             e te vê percorrer o rio com os dedos cobertos de sonhos,                                               tremendo sob o manto dos medos dos enganos e das feiticeiras. Eu sou anjo e sou diabo.                                                     Sou mulher em forma de cravo.                                                Sou aquela que te sabe os recantos de um dedo, que amo mais do que o dia. Morreria nesse dedo                                  e nos toques de um violino que me anima a pele. Eu sou aquela que te olha e te sabe.                                                          
Transparente, como um filme de Jeunet.                                                                   Daria a pele para te estar ao pé.



Susana Duarte
"Pescadores de Fosforescências"
Alphabetum Edições Literárias
Dezembro 2012





sábado, 24 de agosto de 2013

To Build a Home




"na vertente úmbria das pétalas, o silêncio"

...e na vertente
                   solar
                      das pétalas
                                dos lábios,
                                         a procura da solaridade dos olhos....







ti rivedo nella luce silenziosa della tua pelle, e nella notte ambigua

delle tue mani. rivedo i tuoi piedi di melagrana e la lingua rossa

di ogni mattina. nella luce sommersa del risveglio,

sento i tuoi passi, che non ascolto, che non vedo.

sono nebulose, i tuoi passi. sono passi assenti,

i tuoi passi. sono uccelli di fuoco e di eternitá

nella luce fiacca delle stelle. sono l'acqua che scorre

dalle mie braccia e la lingua di fuoco del mio ventre nascosto.

ti rivedo, silenzioso, nelle storie che racconto a me stessa e nella memoria

di una notte sotto l'acqua e la pioggia e la danza delle mani.

con la tua pelle, ho cucito una coperta di ritagli di ombre,

e con essa ho tessuto i mattini dell'incantesimo del risveglio delle ossa.

é con essi che mi vesto. é con essi che ti visito.

é cosi che so di te. mattino sommerso di ogni angolo

dei miei occhi. tessuto strano delle vesti delle notti.

visione angosciata delle palpebre della realtá. piedi che camminano.

sul piano sul quale cammino. geometria di tutto ció che conosco. pelle.



Susana Duarte

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

“I saw the days of the year stretching ahead like a series of bright, white boxes, and separating one box from another was sleep, like a black shade. Only for me, the long perspective of shades that set off one box from the next day had suddenly snapped up, and I could see day after day after day glaring ahead of me like a white, broad, infinitely desolate avenue.”
― Sylvia Plath, The Bell Jar

domingo, 18 de agosto de 2013


Ferros


.escrever silêncios nas noites claras, perfumadas de abraços e de distâncias.

.inscrever nas noites os silêncios claros, perfumados de comboios que chegam.

. dedicar-me-ei a desenhar céus claros e linhas de caminhos de ferro. ânsias.

. só os céus de caminhos e os claros ferros da vontade, te trarão a mim.

. são aves que desenham voos na espera. dores. saudades que viajam. cegam.


_______________________abraço-te na espera___________________

Susana Duarte 





CAIS

Nascemos no cais,

partindo dele em direção às naus inscritas nas veias.

sobrevoámos os dias,
na espera sombria das vertentes dos sonhos.
mantemos ainda a espera
pelos dias da água.

sobre as marés do teu corpo,
que me salgam o ventre
e os olhos,
e a língua evidenciada
pelo rubro ardor do teu beijo,
navegaremos.



a vida toda são as gotas de sal do teu suor.

Susana Duarte

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Aesthesys - Time Is An Illusion




True.

Dreams Are Only Real As Long As They Last



Will ours last forever? Or will it be more than a dream?




I Am Free, That Is Why I'm Lost.





perdemos a vida a cada segundo
e a cada segundo, delegamos a estranha esperança 
de ser eternos
à vida que, em nós, se consome

terça-feira, 13 de agosto de 2013



ESCREVO-TE



escrevo-te, para que saibas onde estou


perdi-me para além das amoreiras bravas,
que me pintam os lábios, e a pele, e os sentidos,
com as cores profundas das noites azuis

escrevo-te, para que saibas onde estou

perdi-me para além dos oceanos, onde nereidas
consomem o sal sereno dos mares calmos,
e a história nos reescreve nos dias salgados da procura

escrevo-te, e quem sabe, descobrir-me-ás

onde as Náiades serenam as águas já doces
e as amoras me preenchem com o rubro das suas bagas,
e o sumo delas me escorre pelos lábio, que beijas,

na procura incessante dos horizontes para além dos quais me perdi


Susana Duarte

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

és, de todas as sombras, a mais fugaz,

perdida por entre os mamilos das mãos 
e sobre as luzes desejadas; és, de todas

as luzes, a que penetra os dedos em tons
de azul; e aí, onde o azul se estende sobre

o ventre, derramas vida, e sémen, e suor
e choras todos os dias não vividos, e as 
noites esventradas de estrelas, e a vida.
“Na vida, concluiria um dia, todos têm direito a um grande amor. Uns achá-lo-iam num cruzamento perdido e com ele seguiriam até ao fim do caminho, teimosos e abnegados, até que a morte desfizesse o que a vida fizera. Outros estavam destinados a desconhecê-lo, a procurarem sem o descobrirem, a cruzarem-se numa esquina sem jamais se olharem, a ignorarem a sua perda até desaparecerem na neblina que pairava sobre o soliário trilho para onde a vida os conduzira. E havia aqueles fadados para a tragédia, os amores que se encontravam e cedo percebiam que o encontro era afinal efémero, furtivo, um mero sopro na corrente do tempo, um cruel interlúdio antes da dolorosa separação, um beijo de despedida no caminho da solidão, a alma abalada pela sombria angústia de saberem que havia um outro percurso, uma outra existência, uma passagem alternativa que lhes fora para sempre vedada. Esses eram os infelizes, os dilacerados pela revolta até serem abatidos pela resignação, os que percorrem a estrada da vida vergados pela saudade do que podia ter sido, do futuro que não existiu, do trilho que nunca percorreriam a dois. Eram esses os que estavam indelevelmente marcados pela amarga e profunda nostalgia de um amor por viver.”
― José Rodrigues dos Santos, A Filha do Capitão