segunda-feira, 31 de março de 2014

"Blue girls sing alone"


"Blue girls sing alone"

pois as raparigas azuis são seres cálidos, 


outrora abraçadas por Neptuno. são azuis 


e etéreas como a massa dos sonhos. cantam 


sós, as raparigas azuis, volteando palavras 


onde os sonhos não morrem. são assim: 


maravilhosas e estranhas mulheres, confim 


de si próprias, gravíticas-iluminadas onde 


o céu termina e o sol é uma voz distante 


no calor que imaginaram. sonham, apenas. 




por isso cantam sós: a matéria dos sonhos 


é falha de contingência, e de pele. é uma voz 


sem eco. uma falhas no movimento perpétuo. 


a irrazoabilidade das estrelas, que brilham 


mais quando empurram a massa para fora. 





para viver, é preciso expulsar o sonho azul 


da rapariga que, todavia, canta só. a rapariga azul.





Susana Duarte


Imagem: pintura de Saatchi

domingo, 30 de março de 2014

“Man is the only creature who refuses to be what he is.” ― Albert Camus




“A man can be happy with any woman as long as he does not love her.” 
― Oscar Wilde, The Picture of Dorian Gray


“...no woman can love a weak man hard enough to make him strong.” 
― Pearl Cleage, Just Wanna Testify: A Novel




quinta-feira, 27 de março de 2014

Abraça-me.


"Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais. 
Uma vez que nem sei se tu existes."


JOAQUIM PESSOA


quarta-feira, 26 de março de 2014

...where?

vives entre a alma e o que não sei



vives entre a alma e o sol,

deitado entre ti e ti,

de ti perdido,

de ti ali,

onde

as nuvens soltas

navegam delírios vestidos

de noite. vives entre a alma e

o que não sei. vives, em mim, noite

tempestuosa de olhos desassossegados.




inertes.




vives entre a alma e os dedos,

florescendo mágoas

e solidões

por entre

medos.

de ti perdido,

imaginas encontros de mãos

e sussurrares de aves finalmente tocadas

pelas primaveras do tempo. vives entre a alma,

e o que não sei. vives nas ondas submarinas do ventre




sôfrego.




vives onde não sabes,

e não vives nada, perdido de ti,

entre ti e as névoas das tuas dúvidas.




vives na sombra

do limbo das folhas,

onde a seiva segrega




o amarelecer dos dias.




Susana Duarte



segunda-feira, 24 de março de 2014

DA OCEANO MARE


Non è che la vita vada come tu te la immagini.
Fa la sua strada. E tu la tua.
Io non è che volevo essere felice, questo no.
Volevo... salvarmi, ecco: salvarmi.
Ma ho capito tardi da che parte bisognava andare: dalla parte dei desideri.
Uno si aspetta che siano altre cose a salvare la gente: il dovere, l'onestà, essere buoni, essere giusti.
No. Sono i desideri che salvano. Sono l'unica cosa vera. Tu stai con loro, e ti salverai.
Però troppo tardi l'ho capito.
Se le dai tempo, alla vita, lei si rigira in un modo strano, inesorabile: e tu ti accorgi che a quel punto non puoi desiderare qualcosa senza farti del male.
È lì che salta tutto, non c'è verso di scappare, più ti agiti più si ingarbuglia la rete, più ti ribelli più ti ferisci.
Non se ne esce. Quando era troppo tardi, io ho iniziato a desiderare. Con tutta la forza che avevo.
Mi sono fatta tanto di quel male che tu non puoi nemmeno immaginare. '

Alessandro Baricco 



domingo, 23 de março de 2014

JÁ NÃO HÁ DOMINGOS

Todas as vidas gastei
para morrer contigo.
E agora
esfumou-se o tempo
e perdi o teu passo
para além da curva do rio.
Rasguei as cartas.
Em vão: o papel restou intacto.
Só os meus dedos murcharam, decepados.
Queimei as fotos.
Em vão: as imagens restaram incólumes
e só os meus olhos se desfizeram, redondas cinzas.
Com que roupa
vestirei minha alma
agora que já não há domingos?
Quero morrer, não consigo.
Depois de te viver
não há poente
nem o enfim de um fim.
Todas as mortes gastei
para viver contigo.

Mia Couto


sábado, 22 de março de 2014

De Casimiro de Brito



Do livro "Arte da Respiração":

Amar é Raro

Amar é dar, derramar-me num vaso que nada retém e sou um fio de cana por onde circulam ventos e marés. Amar é aspirar as forças generosas que me rodeiam, o sol e os lumes, as fontes ubérrimas que vêm do fundo e do alto, água e ar, e derramá-las no corpo irmão, no cadinho que tudo guarda e transforma para que nada se perca e haja um equilíbrio perfeito entre o mesmo e o outro que tu iluminas. Dar tudo ao outro, dar-lhe tanta verdade quanta ele possa suportar, e mais e mais; obrigar o outro a elevar-se a um grau superior de eminência, fulguração, mas não tanto que o fira ou destrua em overdose que o leve a romper o contrato — o difícil equilíbrio dos amantes! Amar é raro porque poucos somos capazes de respirar as vastas planícies com a metade do seu pulmão; e amar é raro porque poucos aceitam a presença do seu gémeo, a boca insaciável de um irmão que todos os dias o vento esculpe e destrói.

sexta-feira, 21 de março de 2014

veste-me com a solidão dos teus olhos

veste-me
com as raízes da terra
onde caminhas,

e ama-me.

veste-me
com a solidão dos teus olhos,
e assim despido
de ti,

ama-me.

serás o retrato respirado
das flores
das névoas
de setembro

e do meu peito aceso.

Susana Duarte




DEAR FUTURE MOM | March 21 - World Down Syndrome Day | #DearFutureMom

quinta-feira, 20 de março de 2014

A Poesia



Todas as coisas têm o seu mistério,

e a poesia é o mistério de todas as coisas."




Federico García Lorca


Foto: Susana Duarte

quarta-feira, 19 de março de 2014

onde tu não pertences.

vou agora.
vou com as nuvens,
devolvendo ao ar o ar
que respiro.

vou com as nuvens.
sou do ar
 e das auroras

onde tu não pertences.
vou agora.
desfaço o raiar
da manhã onde tu
já não habitas.

Susana Duarte

terça-feira, 18 de março de 2014

Ecco...




Peccare di silenzio, quando bisognerebbe protestare, fa di un uomo un codardo.



Ella Wheeler Wilcox, Protest, 1914





Non dal volto si conosce l'uomo, ma dalla maschera.

Karen Blixen, Sette storie gotiche, 1934



Quanta stoltezza, quanta vigliaccheria, quanta tristizia si nascondono talora sotto la maschera del buon senso.

Arturo Graf, Ecce Homo, 1908

segunda-feira, 17 de março de 2014

=)



(...)

Poema decadente

poema:
lexema 
desenhado nas costas das mãos;

costas 
no ventre,
enfrentando a solidão.

poema:
mulher escrita no chão.

vento norte.

mulher-poema:
ventre-eterna solidão.

poema escrito nos olhos,
sopro de vida nos dedos,
manhã de agosto

a contragosto

antecâmara do desgosto.

não existes, aí, para onde foste,
ainda que creias ter reescrito 

o poema 
dos teus dias.

sonhaste.
mais depressa fugirias.
fantasma lúgubre dos meus dias.

tu, que não voltas:
poema decadente nas mãos da mulher
escrita no ventre.

Susana Duarte




Could I ever be?...

“I think you still love me, but we can’t escape the fact that I’m not enough for you. I knew this was going to happen. So I’m not blaming you for falling in love with another woman. I’m not angry, either. I should be, but I’m not. I just feel pain. A lot of pain. I thought I could imagine how much this would hurt, but I was wrong.” 
― Haruki Murakami, South of the Border, West of the Sun

 Imagem: pintura de Nicoletta Tomas

domingo, 16 de março de 2014

"A Exaltação da Pele", de Natália Correia



Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios e sem lagos
e sem o gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a seiva. Existe o instinto. E existo eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.

Natália Correia, in 'O Sol nas Noites e o Luar nos Dias'



Foto de Eduardo Rosas


sábado, 15 de março de 2014

[those who aren't alive, are ghosts]

Asas.

partiste,
e ficaste no recanto escuro 
do teu próprio inferno
sem asas.

não ouses voltar 
a tirar, das flores,
as pétalas.

não ouses roubar 
as asas das borboletas.

Susana Duarte


sexta-feira, 14 de março de 2014

quarta-feira, 12 de março de 2014

[não voltaste]

olhei para trás, para onde o horizonte se me desfez,
e nada mais vi do que as noites de outrora. prometeste
que voltavas. mas as noites de outrora ficaram teimosamente quietas,

onde deixei de ver enrubescer as maçãs da madrugada.
olhei para trás, insana, perdida de mim, depois que me perdi de ti.
insana. perdida no troar incolor da tua voz. foste

para onde se abre o chão sob os pés doentes.
olhei para trás, vazia, e nada mais vi do que as doces 
esperas de dias que foram. partiste. não olhaste para trás.

fiquei ali, mulher suspensa 
na imensidão das folhas fendidas. não olhaste 
para trás. foste para onde o ar
se me desfaz, névoa de manhãs de setembro, mosto 
de todos os meses, uvas da minha vontade, ébria de sonho.

olhei para trás. tu não voltaste. 

Susana Duarte

segunda-feira, 10 de março de 2014

[lua]





nascida da noite e da tempestade de chuvas antigas 
de noites esquecidas, 


vim de ti. vim das névoas das dúvidas 
dos corpos dos braços 
e de mil embaraços que residem nos olhares 
nos sentires
no amar. 


nascida da lua crescente 
luzente de poeiras marinhas e de sonhos, 

olho-te redonda e sei que as etéreas aragens das nuvens 
me flutuam 
e navegam. vejo-te crescente, lua eterna 
e indigente de solares noites, 


onde saúdas o mar e te sabes Mulher. lua incandescente, 
de brilho opalescente e nú. vejo-te os ombros 
de dama encantada e percebo a alva 

aurora de rosa inflamada. 
sei de onde venho. venho das noites onde és 
inclemente na luz que emanas eterna 
potente LUA 
onde o sonho 
flutua e me toca os seios 
e me toca os dedos e me toca 
os dedos e 

me toca os olhos 

e me beija os olhos 

e me sabe os segredos. 


plenilúnio de canteiros de flores amarrotadas 
por um beijo amarrotadas 


pelo desejo de encontrar, em ti, 
um leito onde 
possa .ficar. 



Susana Duarte


domingo, 9 de março de 2014

[não]





Do Blogue Paradoxos

http://paradoxosdoedu.blogspot.pt/ 

sábado, 8 de março de 2014

[emptiness]




“I said nothing for a time, just ran my fingertips along the edge of the human-shaped emptiness that had been left inside me.” 
Haruki Murakami, Blind Willow, Sleeping Woman

sexta-feira, 7 de março de 2014

Explicação da Ausência, de Daniel Faria

Explicação da Ausência

Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou
Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu
E a espera é não acontecer — fosse abertura —
E a saudade é tudo ser igual.

Daniel Faria, in "Explicação das Árvores e de Outros Animais"




quinta-feira, 6 de março de 2014

afluentes

os afluentes da noite são ecos soltos sobre mim.
de ti, nada mais resta,  senão a imagem que guardei no corpo.
os rios que me navegavam eram, apenas, ecos das águas.
e o meu corpo guardou-te, para te perder depois.

sobram ecos esquálidos das vozes com que me preenchias.
não ficaste e, todavia, esperei por ti. lívida, cadáver vivo
que se desfaz em cada uma das tuas palavras, eco
adiado dos meus anseios. os afluentes da noite são rios
sem voz. perdeste os meus gritos. perdeste a foz.

nada te resta, senão olhar-me de longe. sabes que habito
outro plano, o do dia e da luz com que prossigo, todavia,
sobre as flores submarinas. nada te resta, senão as lágrimas
e o arrependimento. talvez possas ressurgir, noutras vestes,
noutros seixos. mas serás sempre a sombra, a vida incompleta
que se declina nos lugares que já não procuro.

Susana Duarte


[somewhere]


[someone]


quarta-feira, 5 de março de 2014

nesse dia, não mais sobrevoarás as palavras.

sobrevoas as noites, onde as flores são os ângulos escondidos das veias.
apareces, como um fantasma. povoas sonhos e roubas segredos. 
sobrevoas os dedos, onde as noites são raras. partes, todas as noites,
mas pairas sempre sobre os passos através dos quais perscruto os caminhos
da vida. caminhas sobre os meus passos e, todavia, não estás. matas-me
e, todavia, regressas, como um espectro que desalinha as flores
e insemina de ausência os dias. perdido, tu próprio, nas linhas oblíquas
da chuva, congeminas olhares onde os teus olhos já não estão.

desaparecerás, um dia, dos caminhos dos sonhos e dos beijos por dar.
nesse dia, a luz-outra será o véu através do qual deixarei de te ver, 
qual névoa de setembro, qual gota de chuva caída dos beirais de uma casa,
eclodindo na calçada para, depois- e para sempre- se ocultar das pedras.

desapareces já, noite após noite, onde os sonhos não te nomeiam 
e os dedos não te procuram. talvez sejas já, apenas, a sombra dos dias 
de ontem. o teu nome não me cerca. os teus olhos desaparecem
com as chuvas. a vida, um dia, recomeçará, fantasma, presença, ausência
de todas as ausências dos meus braços.
nesse dia, não mais sobrevoarás as palavras.

Susana Duarte

segunda-feira, 3 de março de 2014

De Nuno Júdice



Quero dizer-te uma coisa simples: a tua
ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não
magoa, que se limita à alma, mas que não deixa,
por isso, de deixar alguns sinais - um peso
nos olhos, no lugar da tua imagem, e
um vazio nas mãos, como se tuas mãos lhes
tivessem roubado o tato. São estas as formas
do amor, podia dizer-te; e acrescentar que
as coisas simples também podem ser complicadas,
quando nos damos conta da diferença entre o sonho e a realidade.
porém, é o sonho que me traz à tua memória; e a
realidade aproxima-te de ti, agora que
os dias que correm mais depressa, e as palavras
ficam presas numa refração de instantes,
quando a tua voz me chama de dentro de
mim - e me faz responder-te uma coisa simples,
como dizer que a tua ausência me dói.

...Nuno Júdice.

domingo, 2 de março de 2014

de todos os momentos que foste

de todos os momentos que foste, talvez não saibas ainda que o mais belo
foi o momento que antecedeu o beijo. foi o momento que o antecedeu, 
e não o beijo, que mudou de lugar as madrugadas, moveu o ar das noites
e o luar das minhas manhãs. de todos os momentos que foste, o mais belo
foi a antecipação do futuro, ainda que, depois, se tenham perdido todas
as madrugadas das mãos. de todos os momentos que foste, o mais belo
foi aquele em que o abraço antecipava amoras, e as amoras eram beijos
rubros tingindo a manhã. de todos esses momentos, foste apenas um raio
de sol perdido entre os meus olhos. nada mais foste, pois não soubeste
raiar de luz as escolhas da tua vida. de todas elas, a mais fácil foi partir.
de todas elas, a mais imperdoável, foi partir. dos teus dedos, nada mais
ficou dos momentos que antecipavam o beijo, senão a mágoa das noites
sem dia, e dos dias em que te foste. de todos os momentos, a maior mágoa
é não teres sabido ser. de todas as madrugadas, esta será a mais triste.
Susana Duarte




"BORBOLETAS"

Noites sem sexo são perfeitas, também: janelas entreabertas,
sombras que passam na rua através das horas, relâmpagos
que não chegam a iluminar as paredes do quarto. Românticos
que se encontram depois de viver vidas paralelas, cansados

– mas enlaçados antes que chegue a hora de partir, sem saberem
se amanhã há outro sono igual, ou uma escolha para fazer.
Os dois sabem que são doidos, estendem os dedos na escuridão
entre as luas. Os dois sabem que mais adiante podem arder
de repente no meio do Verão, consumidos pelos segredos

e pela indiferença. Noites sem sexo são perfeitas, também;
e raras, e condenadas e incompletas. Borboletas no estômago,
batendo asas contra todas as paredes do corpo – não deixando
que ele adormeça, inquieto e insatisfeito, voltado para dentro

e para o passado. Românticos que se encontram quando nenhum
deles esperava outra oportunidade, outro caminho. Nunca estamos
preparados, diz um. Nunca estamos, repete o outro, quando
a primeira borboleta sossega depois de um beijo em dívida.

Poema de Francisco José Viegas in "Se me Comovesse o Amor", pág. 36
Edição Quasi

sábado, 1 de março de 2014

Sê.

dá as boas vindas ao vento 
e às auroras rubras do beijo.

onde és, sê transparente 
como as nuvens, e rubra
como o desejo. 

dá as boas vindas ao vento,
e aos dias longos da luz.

onde estás, sê a água 
que mata a sede dos viajantes,
e deixa os dias idos,
as ausências de antes,
e as flores murchas 
que depositaram nos teus braços.

onde fores, sê a onda suave
que deposita algaço sobre a praia,

e beija a espuma, e navega o dia.

Susana Duarte