segunda-feira, 29 de agosto de 2022

 as pessoas são estranhas, entranhas de coisa nenhuma, cheias de vento


onde as mãos se acobardam. as pessoas são assim: uvas apodrecidas


pelas chuvas de verão, inconstantes e incoerentes como as nuvens e os gestos


que dizem ser, mas de que nunca são capazes. as pessoas são assim, estranhos


movimentos em redor das luzes, das quais fogem quando alguém as acende


e, por dentro, as incendeia de um fulgor que temem. são apenas pessoas,


e as pessoas nada são, senão as sementes do que, um dia, na infância, sonharam 


ser. e não são. são apenas pessoas, híbridos de luz e escuridão, de palavras 


sem corpo, e de corpos de nada. de nenhures. de coisa nenhuma. porque são


finitas, ao contrário das pedras, elas próprias erodidas pelo vento. as pessoas, não,


são apenas isso: pessoas, finitas e frágeis e receosas das intempéries que residem


nos olhos dos outros. protegem-se atrás das palavras, e nada são, senão 


o que sonharam ser, num tempo longínquo de amoras bravias colhidas pelas mãos


pequenas, de cerejas tiradas do alto, mais maduras e grandes, sem medo de cair,


e de dedos-de-bruxa colados aos dedos, encantadores e roxos na sua simplicidade.




as pessoas são estranhas, entranhas de coisa nenhuma, cheias de vento


onde os gestos se acobardam. são assim: coisa nenhuma. são medo e fuga.


as pessoas são apenas isso, e por isso, nada são.