segunda-feira, 1 de abril de 2024

 há uma casa onde a infância foi

a ideia de um dia ser     obra imperfeita talvez

obra acabada             inconsciente dos futuros

ou dos filhos    ou dos gatos sobressaltados

e das dores paridas       em noites solitárias


na casa sobrevoada por memórias, vivem 

espectros            gestos antigos       objectos

obsoletos        almas grandiosas   ou meros 

sobreviventes aspirando o ar das ameixas e

       dos laranjais    e dos sorrisos de avós

tão antigos como as casas e os seus beirais

   chuvosos, resplandecentes e gélidos    onde

gatas antigas parem   gatos futuros  e o gelo

    da manhã pare as dores do mundo


     ou, apenas, as inomináveis: as dos vivos.


Susana Duarte



sábado, 23 de março de 2024

Silêncio

 





o silêncio é tão estranho 

quanto outra coisa qualquer,

e tão desabitado quanto a alma

das mulheres deixadas vivas pelo vento 


tempestuoso


das vontades antigas- as do alento

e da fé, da força e das asas

desabitadas de janelas 


quebradas


pela morte das memórias. 

o silêncio vive nas histórias

que guardo, secretas e risíveis, 

entre as páginas dos livros.


também tu, secreto e risível, 

habitas os dias de ontem,  os que semearam


silêncios

na pele-toda-com que me visto.


Susana Duarte

1o dia de Primavera