terça-feira, 30 de julho de 2013



GENCIANA



queria uma palavra azul para te descrever as sílabas que, de ti, vejo sair,

como aves que exploram o infinito. trémulas, no início, inseguras da paixão;

seguras quando, eternas, se deitam na minha mão e atingem o seu devir.



                                                                                       eu e tu somos uma flor gamopétala.



descreves em mim linhas. voas-me nos dedos das pálpebras dos sonhos

e procuras-me, no rosto, o sorriso crescente da estranheza-encantamento;

seguras-me as mãos quando navego à procura de sílabas e de medronhos

que descasco, um a um, nas mãos que ocupo com a imagem do teu lamento

quando a vida, por breves momentos, tolheu de nós as palavras e os voos.



                                                                                        eu e tu somos uma flor gamopétala.



escrevemos páginas de sonhos em folhas de flores azuis e em sombras

de noites irrequietas. Sábias são as cores místicas do sonho – horizonte

onde as asas encontram as sílabas e as sílabas se tornam o teu nome…

és a palavra que nunca se esconde, a floresta de árvores sem penumbras

onde me deito, aliada das asas de um anjo como se o anjo fosse a fonte

da vida quem em mim almejas. em mim, tiras a sede e matas a fome.



                                                                                               eu e tu somos uma genciana azul.



do azul-maravilha e espanto, nasceu uma ilha e a terra de uma sonolência

serena, que nos transformou na etérea luz de uma sombra chinesa, onde

nos escondemos para viver a esplendorosa cor azul-onírico de palavras-sonho.



                             Eu, e Tu, somos o Sonho consubstanciado no encontro das marés,



                                                                                                 e na confluência dos toques,





                                                                                                                             e nos remos.



Susana Duarte
"Pescadores de Fosforescências"
Alphabetum, Edições Literárias
Dezembro de 2012
Prefácio: Maria Elisa Ribeiro
Fotos: Ivano Cetta
(a foto aqui presente é pessoal)


segunda-feira, 29 de julho de 2013



AMA-ME


ama-me

e sorri-me nas vielas escuras da noite alada

e empunha a espada de flores de sereia amada

e sorri-me nos olhos onde descrevo a sede e a vida

e abraça-me nas cores de uma asa comprida

que se estende no vento e me deixa voar



ama-me

e se me amares, saberei ser noite em noite de lua

alma branca, rosa do deserto, alma branca e nua

sereno deserto onde sou flor e tu és cavaleiro das areias

senhor de mim, senhor de flores e castelos e ameias

que me abrigam dos ventos e me deixam amar



ama-me

e dá-me a luz dos meus olhos e da minha escuridão

anterior, onde me esquecera que tinha sido branca flor

e deixei as névoas estender seus braços e sonhos e amor-amor

onde perpetuei a escuridão de uma vida –alegria anterior

e me deixei cobrir de noite, antes de me cobrir de ti



ama-me

preenche-me os olhares como uma lua cheia

e deixa-me amar em Ti



Susana Duarte
"Pescadores de Fosforescências"
Edições Alphabetum, Edições Literárias
Foto pessoal


sexta-feira, 26 de julho de 2013

Considerações sobre o Amor

Não sei se saberia definir o amor.
Mas sei que é algo que se me afigura como dádiva preciosa e imensa.
Sei que o amor por um filho, quando esse filho é e sabe ser amado, é o mais eterno dos amores. 

Mesmo que, tantas vezes, seja um amor frágil. Mesmo que, tantas outras, seja um elo ténue com a vida. 
Se tudo correr bem, se tudo tiver sido como se espera que seja, é o amor maior e mais profundo. 
Mas também sei que não é universal, e igual para todos. Há quem ame profundamente os seus pais, sem amar do mesmo modo os seus filhos. Quem ame profundamente os animais, quase desprezando as pessoas. Quem ame um filho tanto, que tenha medo de não conseguir amar um segundo filho. Quem aja como se não amasse ninguém, tentando esconder que, afinal, na verdade, nunca se sentiu amado, e por isso se defende, num eterno faz-de-conta que só faz mal a quem protagoniza o teatro que escreveu para si próprio......e há o amor que une duas pessoas sem laços de sangue.
O que sabemos dele?
Provavelmente, pouco. Quando amamos, somos como pequenas crianças, em pleno egocentrismo, desejando ser o único objeto de amor da pessoa a quem endereçámos o nosso afeto. E quando assim é, dizem, é porque não será amor-amor. Será o preenchimento de um vazio, porque, dizem, o amor - amor não exige. É. Contenta-se em existir e em dar. Será?
Isso pode soar a submissão. E eis o pântano pior: o dos conceitos. O do significado das palavras, e a consequente medição da intensidade do amor.
Muitas vezes os casais sentem que um ama mais. Mas é mensurável, o amor?
Amar talvez seja aceitar viver bordejando, sobrevoando a linha costeira, com medo de atravessar marés ou enfrentar a força dos ventos. Amar poderá ser a aceitação de todos os defeitos, tudo o que sobra das lâminas das folhas da paixão. Amar poderá ser a eterna paixão e o nunca se sentir satisfeito. Mas amar será, sobretudo, creio....o sentir que se pertence a algo maior do que nós próprios. O rever-se em olhos que não são nossos, mas nos conhecem melhor do que nós. E aceitar esse sentimento de ser Um, apenas porque a inevitabilidade desse sentimento é maior do que todas as somas de todos os defeitos e de todas as dificuldades.
Assim te escrevo.....porque, provavelmente, pouco sei do amor, e todas as palavras que deixo no papel poderão ser, apenas, as recordações que referes, de algo que foi, que talvez possa ser, ou de todos os encontros que falhei. Porque todas elas serão, talvez, a busca. A eterna demanda do sonho. Afinal....talvez a aceitação do amor seja a aceitação da inevitabilidade do destino, de que te falava antes....ou aceitar que a nossa condição natural é amar...ou aceitar que quem nos toca o fundo da alma, ficará para sempre, como uma impressão digital gravada no peito. Afinal....por vezes, o que foi ainda pode ser, e se tivermos sorte, aquele a quem devotamos a nossa paixão, sente a mesma sede de infinito quando pensa em nós. 



Um abraço profundo. Cheio de sorrisos.

Susana Duarte ( foto pessoal)

quinta-feira, 25 de julho de 2013



Braços




emudeceram as asas dos corvos,

num uníssono de esplendorosa luminescência




negra




onde as asas abandonam as curvas

e a contemplação da rubra incandescência




do fogo da saliva




e das fugas tocadas pelas nossas mãos,

e realizam os voos dos dedos, e das línguas

e dos corpos enlaçados numa vida-morte




pequena,




incandescente ela própria,

de corpos nús, e de dias, e de noites

e de sementes lançadas pelas bocas




ávidas,




subsequentes à saudade, fria noite da ausência

de um abraço onde, de novo, (me) habitas

os cílios e o ventre e a humidade das mãos,




investidas por águas de outrora,

incendiadas pelas raízes das árvores que nos foram caminhos




eternos.










Susana Duarte (poema)

Ivano Cetta (foto)






quinta-feira, 18 de julho de 2013

Coimbra e os seus Cantores




segunda-feira, 15 de julho de 2013

Roteiro

Vou percorrer os caminhos onde alamedas guardam as noites de lã
junto ao bívio onde se decidem caminhos e guardam romãs.
( a fruta vermelha e o céu irreal, onde o óbvio e o aparente se misturam).

Na viela tortuosa onde a linheira se encima à janela das flores
irei saber de todos os mundos guardados nos dédalos das cores
(e de todas as evidências dos meus sonhos que, pensados, se fraccionam).

Na eira, debulha-se o cereal que se multiplica na mesa, no pão e na casa;
lá, habita a ave que voa no arvoredo onde dormem o ovo e a asa
(e as cores das giestas sabem de cor onde os errantes, viajam).

Estranha ladeira que percorre o chão da ave que traz no bico o algodão
com que teço as esperas num envoltório de pano bordado vivente na mão
(e as flores das romãs trazem os becos onde a noite cai e as ruas cantam).

Há um caminho onde trilhas a noite nas tessituras dos olhares pernoitados
e as ramificações dos dias são as noites do sol; onde os caminhos andados
são lábios que se beijam na ponta das estrelas que te habitam. Sabedoras de ti,
aves circulam pelas vias das flores que desabrocham na raíz do peito aqui,
onde trazes pétalas de rosas, pétalas de hibiscos, pétalas de frésias, pétalas ali,
no jardim das encruzilhadas dos jardins subterrâneos onde escondi as asas.

Na neblina, declina-se o verbo do teu ser. Nas asas da noite, o azul em ti.

A cada órbita, o sol és tu. Roteiro das bermas onde posso repousar.


Susana Duarte
poema e foto

domingo, 7 de julho de 2013

Verbo

um dia, saberei conjugar todos os verbos
-mesmo os verbos de ser arriba
escarpada
sobranceira-
e, ao conjugá-los, saberei onde estás:


manhã orvalhada de todas as palavras
de antes, desfloradas em neblinas
onde gotas de geada quebram folhas
suaves, lentas folhas
de chuva antiga
que me acende (caminhos?)

conjugo o verbo-palavra mitigada
pelo bater de asas suave
da leve
ondulação das águas
e, ao dizer da eloquência
dos sons, procuro ainda.

procuro o abrigo das asas

rectrizes de todos os uivos,

voos lentos dos meus braços curvos.


Susana Duarte

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Sal, sol e fogo


procuro folhas por entre o sal
e o fogo
da existência das noites

e sei do sal e do fogo

das ausências,

como se fossem vida e morte
e toda a noite que temos dentro

ainda que dela fujamos.

sei da noite e do sal,
como sei do azul e dos teus dedos,
sabedores do sabor dos meus segredos

e das toadas e
das luzes
e das vielas

serás sempre o sal e o sol e o fogo 
e todas as ruas por onde caminho

susana duarte