terça-feira, 29 de novembro de 2022

 metade de mim é silêncio.


onde o silêncio habita as margens

das veias, habita igualmente o mar


tempestuoso 

dos meus pensamentos.


metade de mim é silêncio,

e mais não sei. sei apenas 


da inexistência


dos nomes que não visito,

dos rostos de que apenas

guardo memória,


da solidão que me mora no sangue,


e da metade de mim que é silêncio.


outra metade, são as quimeras,

as viagens que demoram,


e a demora da tua pele. 


metade 

de mim seriam as águas perdidas

e os voos picados 


por sobre as ondas.


metade de mim é silêncio;

metade de mim é o que não sei.


Susana Duarte

2020


domingo, 27 de novembro de 2022




 por vezes, apetece chorar 


a chuva que cai,

a noite que desce,

a morte dos outros,

a estrela coberta,

o dia que finda,

o corpo cansado,



o que não se sabe

e o que não se vê:



soltar o grito aprisionado

no limbo,

no oráculo,

no terço,

na oração,

na expectativa,

na rotina,



onde quer que seja,

onde quer que esteja,

onde quer que oiças,

ou não oiças,

ou não vejas



o que nem sequer sabes

se sentes,

ou ouves,

e se ages



ou não. talvez sim.

talvez saibas. talvez ignores.

talvez seja a chuva.

talvez não. 



e, afinal, o que é que importa?



Susana Duarte 

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

 há um rosto escondido atrás

do meu rosto,

uma flecha inerte


perdida no espaço.


a voz,

a alucinação 

ou a máscara etérea do sorriso 


esgotado.


Susana Duarte


 o amarelecimento das folhas

é proporcional ao envelhecimento

dos insuspeitos olhos de outrora,

luzidios como as águas.


imersos, agora, nas folhas apodrecidas 

dos lagos dos dias,

os olhos amarelecem ao ritmo dos outonos

sacrificiais e dos tristes sorrisos 

convocados pelas mágoas.


o amarelecimento da vida

é proporcional aos anos desfeitos 

pela realidade, e às asas esbatidas 

        dos vôos 


            outrora imensos.


Susana Duarte

quinta-feira, 3 de novembro de 2022


 a asa pesa, no vôo 

disperso 

da ave esmaecida,


sempre que a fractura 

da plúmula é superior 

à elevação da mente.


a disforia dos olhos

desmente a flor branca 

da expectativa:


delirante o poema,

obtusa a pele


[fracturada a alma]


Susana Duarte