quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

 beija-me os olhos marejados 

de ausências


e ausenta-te de ti, 


navegante flávio

dos meus cabelos negros


e das sombras 

que me habitam.


estou onde não estás

(tento respirar)


Susana Duarte




segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

 roubo à rua 

o sol que me pertence:


a clandestinidade indistinta,

a sombra das palavras 

negadas,


interditas,


ditas onde os terrenos

aguardavam a chegada

       do beijo.


roubo ao sol o calor

do vôo, quando as aves soletram

      manhãs de inverno,


separando as letras 

de cada rumo

          ao sul.


roubo o nome

decalcado na terra,


onde sou norte e sou sul


e decido para onde vou.


Susana Duarte

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

 sobre o silêncio 

pesam as almas das aves,

das mulheres sós e da amálgama de peles


ao relento


em terreno nú


nas escadas paridas pelas dores

de alguma desconhecida 


só 


sobre o monte úmbrio

dos sonhos


e os braços das mulheres 


(fortes e redondos e duros e içados ao vento

como os mastros das naus e as asas 

de um qualquer deus que rumou ao sol)


sob o silêncio 

(ou dele)

nascem rochas perenes devassadas 

pelos ventos do norte


ou pelas pernas caminhantes das mulheres 

(outrora véu negro sobre os cabelos)


e elas caminham e caminham e caminham


rumo a um deus qualquer,

embutido de um qualquer orgulho nado-vivo


ecce homo

ecce mulier


quem somos? o que somos, quando a mágoa

enche os redutos do pensamento 

e os poros 


e os dedos nascidos dos trevos

e as poções declinadas ao relento


e as mulheres caminham e caminham

e caminham por sobre o silêncio 

e as aves

e as peles


e o sangue que perdura

ou se perde


por entre pernas doridas paridas pelos dias


ecce femina


e os sobressaltos

não são mais do que noites de sono 

sem fundo


e vozes antigas

e pele


e nada.


(talvez)


Susana Duarte


sexta-feira, 29 de novembro de 2024

 metade de mim é silêncio.


onde o silêncio habita as margens

das veias, habita igualmente o mar


tempestuoso 

dos meus pensamentos.


metade de mim é silêncio,

e mais não sei. sei apenas 


da inexistência


dos nomes que não visito,

dos rostos de que apenas

guardo memória,


da solidão que me mora no sangue,


e da metade de mim que é silêncio.


outra metade, são as quimeras,

as viagens que demoram,


e a demora da tua pele. 


metade 

de mim seriam as águas perdidas

e os voos picados 


por sobre as ondas.


metade de mim é silêncio;

metade de mim é o que não sei.


Susana Duarte

2020




terça-feira, 26 de novembro de 2024

 Identidade


são etéreas, as memórias. talvez apenas ilusões, talvez apenas estórias

de abraços desabituados dos corpos.

são névoas, as canções. talvez fossem sorrisos,memórias de abrigos e de corações interrompidos, navegados, ou...mortos.

a morte da memória é o esquecimento,

e o apagamento da sombra das mãos:

aquelas que, outrora, foram tuas, impressas

num ventre oculto, navegadas elas pelo ventre,

demente, talvez. esquecido. doente de 

abandono.

[quem és? quem foste?]


Susana Duarte

2016

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

 irrequieta perante o desconforto das lágrimas


(talvez quieta quando me abraças, inquieta

quando me percorres com os dedos 

e me abres caminhos na pele)


sorvo o ar que respiras e páro de nadar

sob o teu peito, suspensa como o ar rarefeito


do que desconheço, e protejo, e calo,

e transbordo, anoiteço e durmo

sem ar e sem sombras e sem luz e sem ti


mas contigo e com luz e com ar e com dia

e com noite e com passos 

e com a caminhada que desconheces

e intuis, e renegas, e entregas ao futuro 


das promessas que fizeste - a ti, a mim, 

aos dias e ao que desejas e não sabes.


irrequieta perante o desconforto, quieta 

diante das certezas, talvez inquieta 

       na amálgama das mãos e dos pés 

e dos braços e das peles e dos corpos


 quando transbordas de dia e de mim:

pele suave de ave perdida, no vôo incerto

            da vida que tens dentro ,

   no afogamento lento das incertezas

e nas vozes situadas num recanto dos braços .


Susana Duarte


domingo, 24 de novembro de 2024

 há um rosto escondido atrás

do meu rosto,

uma flecha inerte


perdida no espaço.


a voz,

a alucinação 

ou a máscara etérea do sorriso 


esgotado.


Susana Duarte

 beija-me os olhos marejados  de ausências e ausenta-te de ti,  navegante flávio dos meus cabelos negros e das sombras  que me habitam. esto...