terça-feira, 22 de outubro de 2024

 abro ao porta ao silêncio

como se as palavras suspensas

fossem âncora, navegação à vista

ou salvação


sabes que não há paredes 

onde impera a solidão dos pássaros


nem cães a ladrar nas ruas


olho a chuva que cai e desnudo 

o silencioso piar de pensamentos ocultos


só a chuva, e o silêncio,


e tu


sabem das estradas que percorri, e da vontade

submersa de voar


Susana Duarte


terça-feira, 1 de outubro de 2024

 chama pelo meu nome, como chamaste 

as aves sem céu, as aves perdidas 

sobre o vôo lento das ondas,

em cada uma das manhãs 

    reclamadas pelo sangue

        dos dias.


chama pelo nome        de todas as auroras

percebidas e, sobre cada uma 

das manhãs antecipadas pela lágrima 

    solar do tédio, constrói os dias 

      

              da redenção. 


oprime as lágrimas, 

apaga as chamas, deseja 

    o nome, e corre por entre as ruas

             da antiga segregação dos corpos. 


sabes onde estou, porque caminhas

    por entre as peles desafiadas

pela conjunção das imagens solitárias

        que nos povoaram             os dedos.  


não mais sós, os dedos multiplicam

      manhãs novas e gritos solares na pele.


Susana Duarte

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

 é preciso dizer "amor"

sorvendo a vida de todas as letras.


é preciso afirmar o amor 

nos cílios,

nas pregas de pele dos cotovelos

ou nos recantos escondidos das axilas


vivas 


quando as mãos tocam piano,

tocam os ombros, as espáduas e o ventre.


é preciso dizer "amo-te"

às dúvidas e às expansões que as perguntas 

geram, como se gerassem um filho


no ventre inquieto. 


é preciso afirmar a voz sobre a pele,

a pele sobre a pele,

a pele sobre os olhos 

e os olhos sobre a boca,


dedilhando letras

como quem sopra vida 


na mente irrequieta do corpo amante.


[é na boca que calamos toda a angústia]


Susana Duarte


terça-feira, 24 de setembro de 2024

 trago o silêncio nas veias,

como uma veste antiga


sobre o lado do avesso 

dos ossos.


visto-o,  tão sagrado 

como outra veste qualquer,

como outro corpo qualquer.


espelho os lugares

onde o sangue se demora


e pergunto quem sou.


Susana Duarte

domingo, 22 de setembro de 2024

 sabes onde vivem as aves 

da tua paixão, meu amor,

ou as asas de vigilante da natureza 

com que construíste caminhos

impolutos, verdejantes 


e definidos


como as veias que latejam

ao ritmo do meu peito,

e nele se escondem 


(ou navegam)


nas noites claras em que escreves

palavras ornadas de levante

na minha pele.


é nela que descansas,

e é dela que te ergues célere 

sobre as horas tardias das preocupações,


erguendo sóis 

nos nossos sorrisos cansados

e nas mãos dadas da nossa indefinível 


paixão. 


tens em ti todas as luas

que nos acalentam, todas as ruas

percorridas pelos passos resolutos


de um futuro 

que se inscreve em cada braço 


(tão alado como as aves 

    que te voam nos olhos quando, sereno,

            me devolves o beijo)


Susana Duarte




domingo, 4 de agosto de 2024

Noite

 a noite das aves é segura:

    serena os vôos, 

      abranda os passos

e faz soar as águas onde sapos coaxam


e os minutos se escoam

   por entre os braços e o desejo de ficar.


a noite das aves é delicada:

    abraça o sonho antigo de ser,

       rege a partitura de passos novos

e define a caminhada dos cansaços


e das luas dos corpos. 


as noites são segredos e sussurros

     ensimesmados, onde olhares gritam 

memórias de dias a sós, 


        tão encantatórias quanto o pio 

   que se faz sentir nos braços nús, dançantes 

e próximos do abraço 


       e da nudez de ser noite:

 esta noite transparente e luminosa

como as águas que escorrem dos olhos

         e naufragam na pele das costas. 


Susana Duarte

sábado, 3 de agosto de 2024

 prometo-te um poema de silêncio

e navegação,


uma onda lenta na pele


a saudação leve 

do dedo sobre a boca


e a neve que se desfaz 

sobre as costas


 (outrora desabitadas).


Susana Duarte 🌻

 abro ao porta ao silêncio como se as palavras suspensas fossem âncora, navegação à vista ou salvação sabes que não há paredes  onde impera ...