segunda-feira, 31 de julho de 2017

"Os dez lugares do amor"



"-Foram 10, os lugares do amor…-pensou ela.
A estação dos comboios foi, de todos, o primeiro e, de todos, o derradeiro. As portas do ocidente abriram-se ao estrangeiro azul, olhos postos no sorriso que anteviu e no encontro que –temia- poderia nunca acontecer. O encontro, afinal, aconteceu, e teceu-se com as mãos que anteciparam os beijos, as madrugadas claras, e o suor dos corpos reencontrados.
Refém de si mesmo, e dos cabelos negros que abraçava, o estrangeiro azul libertava anos de procura, ao mesmo tempo que, dos seus olhos, saíam névoas preocupadas: tudo mudara e, no entanto, tudo tinha, ainda, que mudar.
- Este é o segundo dos lugares do amor…-pensava ele, mãos dadas sobre o leito, sorrisos postos no futuro que antevia.
A vida acontece inesperadamente. Confronta. Exige respostas e capacidade de ajustamento. Acontece. Ao acontecer, traz consigo o cheiro de todas as infâncias, o eco de todos os receios, e a inevitabilidade das decisões. O estrangeiro azul intui que, a partir dali, outros serão os lugares do amor. E sabe que, a partir daquele encontro, tudo mudou e, no entanto, tudo terá, ainda, que mudar.
Os dias sucedem-se, e os lugares do amor são vividos com a respiração ofegante de quem quer viver a vida toda nos dias que lhe são dados, um de cada vez, hora a hora, segundo a segundo. E, inevitavelmente, acabam.
O rio, navegante incansável, escorre ali mesmo, entre as margens que o delimitam e são, simultaneamente, todas as suas possibilidades de progresso e caminho. O rio foi o nono lugar do amor. Sobre ele, fluíram marés originadas por aquele encontro. O mundo tinha mudado a lógica das coisas. A inevitabilidade do encontro, também mudara tudo o que conheciam. Os corpos transpiraram marés, por sobre o fluir do rio, e por sobre o fluir daquelas duas vidas.
-Este deveria ser, apenas, um dos lugares do amor-pensavam eles-, mas o derradeiro será aquele que apartará os corpos.
Se sonharam, nessa noite, sonharam com as flores colhidas, após as sementes deixadas na terra, numa sucessão de estações que viveriam juntos. Sonharam, talvez, com as noites, e os dias, e o devir. Sonharam, talvez, que tudo o que ainda tinha que mudar, já estivesse mudado, portas abertas, a ocidente, para todos os lugares do amor. Sonhar os luares do amor era a única forma de não ficar só. a solidão da separação, após ter tocado o amor, é escura, e fria, e dolorosa, e inevitável e, aparentemente, eterna. Escrever a vida, trilhando caminhos sem dar as mãos, depois de conhecer os lugares do amor, é aprender a caminhar numa noite longa e fria. Acordar, pois, é antever a ferida aberta no íntimo do corpo, e descobrir o frio na aparente invencibilidade com que se acorda em cada dia.
O estrangeiro azul, e a metade de si, separar-se-ão naquele que foi o primeiro-e será o derradeiro-lugar do amor, aquele onde se olharam nos olhos e deixaram as lágrimas soltar a noite de chuva que viveram, dias antes, os dois, de mão dada a enfrentar as intempéries-todas-, que acreditaram poder vencer.
Ficarão ligados, para sempre, aos dez lugares do amor. Abraçar-se-ão em cada sonho, em cada recanto de cada palavra. Saberão da inevitabilidade do reencontro. Até lá, reaprenderão a vida, e a morte, e a saudade, e o amor, e a ternura, e a ausência, em cada primavera antecipada, em cada estação que, todavia, os separar ainda.
- O 11º lugar do amor, terá que ser aquele onde perdemos as mãos, porque o outro as levou consigo- pensou ela.
Ao mesmo tempo, ele pensava que as mãos que deixou, voltarão a si, no momento em que devolver aquelas que, consigo, em si, levou. Porque sabe, desde já, que se encontrarão no abraço, aquele que será dado no 11º lugar do amor."

Susana Duarte
(tentativa de mini-conto)
De 2013

quinta-feira, 27 de julho de 2017

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Escrevo-te (ouvindo Maurice Jarre, «Carpe Diem», do filme Clube dos Poetas Mortos)





escrevo-te palavras verdes,

ornadas de levante. olho para as nuvens,

meu triste poeta

solto sobre os ventos traduzidos pelos poros do olhar,

meu triste poeta flávio,

meu triste poema sábio, escrito sobre a pele

escrevo-te palavras cartografadas por marinheiros romanos,

ó poeta. meu triste poeta,

assombrado pelas existências, tumultuado pelo vento leste:

escreve-me a calma da brisa que impele o dente-de-leão,

escreve-me palavras verdes,

escreve-me a serenidade lenta do calor,

ó meu poeta, ó meu amor.


Susana Duarte

(do livro Pangeia, não publicado)

domingo, 23 de julho de 2017



quando chegares, não acendas a luz:
ilumina-me com o futuro liquefeito dos teus dedos
e olha-me, com a vertente solar
dos teus olhos.


quando chegares, avisa as aves:
soletra cada uma das plúmulas com que desenhaste
as ausências, essas, que fizeram de ti
o sonho apátrida 
das noites.

ilumina-me, então, com o voo abrupto
dos desejos sobre os lábios; 
com a sombra ambígua
das manhãs

e com o eco vago das quimeras.

quando chegares, não acendas senão o peito,
e olha em redor das mágoas:
saberás que as noites
apátridas

têm recantos onde as aves 
se iluminam; onde as plúmulas desenham círculos
na madrugada, e as mulheres se entregam às brumas.

talvez saibas, então, qual dos caminhos
trilhar. no voo abrupto das aves 
sem nome.

Susana Duarte (2015)


sábado, 22 de julho de 2017

geometrias



somos em todos os lugares 


onde fomos geometrias 


dizentes,

simetrias

de corpos adjacentes, 
nascentes de tudo



e sementes de nada


somos, em todos os lugares 

onde fomos chão,


compostura,

expiação,


procura absurda dos olhos
grandes 

que os seios
ocultam.




somos, em todos os lugares,


interditos
entre-ditos
entre dentes


flores rasas de cada manhã-
rasas como os voos longos


das asas que não me dás.


Susana Duarte 



domingo, 16 de julho de 2017

lembrei-me de ti



lembrei-me de ti,

na sala limpa de nuvens e de palavras
[sobraram pensamentos
onde impera a imagem,
a do teu sorriso,
a das tuas mãos que criam]

as mãos que as notas de um violoncelo

quiseram alinhar entre os dedos
curvos 
da minha mão.


lembrei-me de ti,
e não era a hora dos malditos,
ou a das quimeras.


era a hora vigésima quinta,
ou a das trepadeiras
e dos sonhos por inteiro.


lembrei-me de ti - visão que se impõe 
onde as palavras sussurram o corpo-
profundo e interior, o corpo- 
e o desfazem por dentro.



lembrei-me de ti
(o que fará a escrita na pele?)

Susana Duarte


quinta-feira, 13 de julho de 2017


Sofre mais quem espera sempre 





Ou quem nunca esperou ninguém?





[Pablo Neruda, O livro das perguntas]

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Who expects small things to survive when even the largest get lost?
People forget years and remember moments
-Ann Beattie



quinta-feira, 6 de julho de 2017

Non si può amare solo con la voglia di amare.
Con il voler amare.
Con il voler restare.
Con il crederci.
Con io lo amo.
Perché poi non basta.
Non regge.
L’amore non basta per amare.
Bisogna che ci sia la storia, per amare.
La vita, per amare.
Non bastano le parole, per amare.
Neanche quelle giuste, bastano.
Neanche le parole d’amore bastano per amare.
Dobbiamo fare una passeggiata.
Dobbiamo cenare insieme.
Leggere un giornale.
Andare a fare la spesa.
Fare una cosa insieme.
Che sia nostra.
Che siamo noi.
Io e te.
Non basta fare sesso per fare l’amore.
Anzi.
Ci vogliono i baci.
Ci vuole anche solo stare con la fronte appoggiata alla fronte.
Per amare ci vuole una storia. Da vivere. Vissuta.
Ci vuole tempo.
Non puoi non esserci mai.
Per amare ci vuole una storia. Da fare e raccontarsi.
Non puoi non aver voglia di parlare.
Non puoi parlare sempre.
Una storia da fare insieme.
Non puoi trovare tutto pronto.
Arrivare quando tutto è fatto.
Io amo solo chi fa la giornata con me.
Chi fa la vita con me.
Chi fa la spesa con me.
Chi fa una passeggiata con me.
Chi fa tempo con me.
Chi fa storia con me.
Non amo se no.
Amo solo chi sa stare tutto con me.
Chi parla con me.
Chi torna da me.
Chi chiama per non dire niente.
Chi mi bacia la testa, tra i capelli, passandomi vicino.
Chi mi porta i capelli indietro.
Io non le voglio le romanticherie.
Voglio le cose che sono nella mia giornata.
Voglio che sono con te.
Fatte con te.
Raccontate a te.
E poi ti racconto le cose solo mie.
Che faccio io.
Entro e esco dalla tua vita.
E tu dalla mia.
Come l’ago che cuce .
Come l’ago che per unire, entra e eSCE.

Frida Khalo

     

terça-feira, 4 de julho de 2017

procuro folhas por entre o sal
e o fogo
da existência das noites

e sei do sal e do fogo

das ausências,

como se fossem vida e morte
e toda a noite que temos dentro

ainda que dela fujamos.

sei da noite e do sal,
como sei do azul e dos teus dedos,
sabedores do sabor dos meus segredos

e das toadas e
das luzes
e das vielas

serás sempre o sal e o sol e o fogo
e todas as ruas por onde caminho

susana duarte

...da beleza, e da música coimbrã...

NEM SEMPRE





Nem sempre o amor
é uma janela aberta
ao sol dos dedos


à intensa e carregada
floração dos lábios

mas também o instante
de silabas de espanto
onde o silêncio faz cama.

Joaquim MONTEIRO
2017-06-30
(© todos os direitos reservados)

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 metade de mim é silêncio. onde o silêncio habita as margens das veias, habita igualmente o mar tempestuoso  dos meus pensamentos. metade de...