quarta-feira, 5 de março de 2025

...a descoberta de que nada sabia sobre a tristeza...

 não sei se a tristeza colhe 

as nuvens, onde vivem

os espectros das noites 

antigas. não sei,


sequer, se as noites

continuam no mesmo lugar. talvez

tenham partido para o sítio onde 

as lágrimas colheram cerejas, e 

as depositaram num vale antigo.


não sei se as noites voltarão

a ser lugares de interdito,


ou antes os desertos

por onde se escoam as aves

fugidias


(talvez fantasmas, 

                     talvez apátridas)


onde escondo os nomes e


                                         fujo de mim.


Susana Duarte

2016

 sobrevoas as noites, onde as flores são os ângulos escondidos das veias. apareces, como um fantasma povoas sonhos e roubas segredos. 


sobrevoas os dedos, onde as noites são raras. partes, todas as noites, mas pairas sempre sobre os passos através dos quais perscruto os caminhos.


caminhas sobre os meus passos e, todavia, não estás. matas-me e regressas, como um espectro que desalinha as flores e insemina de ausência os dias. 


perdido, tu próprio, nas linhas oblíquas da chuva, congeminas olhares onde os teus olhos já não estão.


desaparecerás, um dia, dos caminhos 

dos sonhos e dos beijos por dar. nesse dia, a luz-outra será o véu através do qual deixarei de te ver,  qual névoa de Setembro, qual gota de chuva caída dos beirais de uma casa, eclodindo na calçada para, depois- e para sempre- se ocultar das pedras.


desapareces já, noite após noite, onde os sonhos não te nomeiam  e os dedos não te procuram. talvez sejas já, apenas, a sombra dos dias  de ontem. o teu nome não me cerca. 


os teus olhos desaparecem com as chuvas. a vida, um dia, recomeçará:  fantasma, presença, ausência de todas as ausências dos meus braços.


nesse dia, não mais sobrevoarás as palavras.


Susana Duarte

2014

...a descoberta de que nada sabia sobre a tristeza...

 não sei se a tristeza colhe  as nuvens, onde vivem os espectros das noites  antigas. não sei, sequer, se as noites continuam no mesmo lugar...