terça-feira, 30 de outubro de 2012


a noite do nada



os sonhos são tão longos,
quanto desnecessários

nados-mortos da existência,
sublimes momentos de não-verdade

 abomináveis momentos de ocultas asas
e de obscuros beijos
silenciados

os sonhos são etéreos corpos
que não existem nas mãos
nem nos corpos,
nem nos ventres,

apenas estrelas ocultas,
desnecessárias e belas

raízes de Nada

(susana duarte)
 

segunda-feira, 22 de outubro de 2012



 
 
PASSOS
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 




 
 
 
 
revejo-te na luz silente da tua pele, e na noite ambígua
das tuas mãos. revejo os teus pés de romã e a língua rubra
de todas as manhãs. é na luz submersa do despertar
que sinto os teus passos, que não oiço, que não vejo.
são nebulosas, os teus passos. são passos ausentes,
os teus passos. são pássaros de fogo e eternidade
na luz débil das estrelas. são a água que escorre dos
meus braços e a língua de fogo do meu ventre escondido.
revejo-te silencioso, nas estórias que me conto e na memória
de uma noite sob a água e a chuva e a dança das mãos.
da tua pele, fiz uma manta de retalhos de sombras,
e com ela teci a obnibulada manhã do despertar dos ossos.
é com ela que me visto. é com ela que te visito.
é assim que te sei. manhã submersa de cada recanto
dos meus olhos. tecido estranho das vestes das noites.
visão ansiada das pálpebras da realidade. pés que caminham
sobre o chão que piso. geometria de tudo o que sei. pele.

Susana Duarte
foto de Ivano Cetta
 

 

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

é ausência. e a ausência faz-se voz
em mim
e nas flores que percorro.

na ausência me cerceio
e na ausência me morro.

susana duarte

sábado, 13 de outubro de 2012

dispo-te e sigo-te os caminhos

através de corredores por onde,
nús, se passeiam espectros e onde,
silentes, voam palavras antigas

dispo-te e sigo-te os caminhos,

desnudo o ventre e as auroras e
toco as nuvens por um instante.

mas é na boca que me queres,

dispo-te e sigo-te os caminhos,

e é da boca que sai a súplica
para que te deite sobre mim

e me dispa de tudo o era dantes

dispo-te e dispo-me das memórias.
pode ser que esqueça as lágrimas
da noite, e o teu corpo seja a rua

e o meu corpo, a alma nua,

de onde te levantas a cada madrugada.

susana duarte

domingo, 7 de outubro de 2012

SI BEMOL
 
 
Mel da noite
que escorre em
flor sobre
as luas das
noites das

ruas
onde uma mulher
sozinha
exclama a terna e
...
pacata lucidez de
ser

em si bemol

susana duarte

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

AMOR

a mulher desnuda a alma luzente,

semeadora de luzes

onde a luz poente

se detém...abismo

...
de onde se levantam as luzes do ventre,

e se vislumbram transparências

na lucidez

das águas; nela, crescem e se afundam mágoas,

e as esguias margens de um rio.

a mulher desnuda-se nos braços amados,

plantadores de sementes

onde as névoas se dissipam

e as quedas acontecem no seio dos abraços

devolutos à sua eterna condição

de Ser em outrém,

na bravura das ondas que são corpos,

movimentos sincopados

de um oceano vivo

dentro dos olhos,
ágape dos cristalinos,
melopeia coralina
das imagens dos amantes.


amar acontece no espaço do corpo

onde tempo e distância se tornam

universo inexistente.

primavera de giestas vivas
onde a lava incandescente

são folhadas caídas da pele,

escamas vivas de sermos Um,

na imensa amálgama do universo.
 

 susana duarte
 
(foto Google)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

.entretece-me as malhas das veias na urdidura de um tear antigo.

.na claridade entrevista nos poros, escrevi a sangue a tua presença.

.destinei-me às linhas das tuas mãos, como as cerejas são da primavera.


.agora, na noite que me espera, compro linhas onde fio mantas de retalho,

inscrevendo nelas as estórias vividas e aquelas que, em fio invisível,

aguardam ainda o novelo que lhes desenhará o futuro.

 susana duarte

 suspensa nas tuas palavras, pétala descaída de uma flor iníqua, resta-me a memória. és, foste, terias sido,  o parto feroz, a corrente avas...