PEDRAS
não posso escrever sobre as pedras
escreverei sobre a pele: a pele dada
em noite de brumas, vivida em solos de
espumas, brancas, da maré que em ti fui.
não posso escrever sobre as pedras
escreverei nos teus olhos as noites
serenadas sob mãos cansadas dos dias
e sôfregas de noites claras. em ti, ainda,
a avidez solitária do lobo que caminha
e devasta desertos de ervas poeirentas,
delas afastando as pedras, piroclastos
da existência, quando, inesperadamente,
a vida nos deixou escrever sobre o pó.
não posso escrever sobre as pedras
antes a luz clara do papel dos teus olhos,
a luminosa sabedoria das palavras
silenciadas no beijo claro que me deste.
escreverei esse beijo em cada olhar
dirigido ao céu que miras, aí, a oriente,
perscrutando o sonho e glorificando
o que antevês em cada movimento,
e nas pegadas de caminhantes invisíveis.
não posso escrever sobre as pedras
caídas dos teus olhos sobre o ferro duro
da existência. mas posso escrever no peito
as noites infindas da memória, tornando-as
sal da existência, caminho onde caminho,
as noites todas da minha vida, e a indefinível
paixão com que delimitas o espaço onde existo.
Susana Duarte
nada te resta, senão olhar-me de longe. sabes que habito outro plano, o do dia e da luz com que prossigo, todavia, sobre as flores submarinas. nada te resta, senão as lágrimas e o arrependimento. talvez possas ressurgir, noutras vestes, noutros seixos. mas serás sempre a sombra, a vida incompleta que se declina nos lugares que já não procuro.
terça-feira, 21 de fevereiro de 2017
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