sobrevoas as noites, onde as flores
são os ângulos escondidos das veias.
apareces, como um fantasma: povoas sonhos
e roubas segredos.
sobrevoas os dedos, onde as noites são raras.
partes, todas as noites, mas pairas sempre
sobre os passos através dos quais
perscruto os caminhos.
caminhas sobre os meus passos e, todavia,
não estás. matas-me e, todavia, regressas,
como um espectro que desalinha as flores
e insemina de ausência
os dias.
perdido, tu próprio, nas linhas oblíquas da chuva,
congeminas olhares onde os teus olhos já não estão.
desaparecerás, um dia, dos caminhos
dos sonhos e dos beijos por dar. nesse dia, a luz-outra
será o véu através do qual deixarei de te ver,
qual névoa de Setembro,
qual gota de chuva caída dos beirais de uma casa,
eclodindo na calçada para, depois- e para sempre-
se ocultar das pedras.
desapareces já, noite após noite, onde os sonhos
não te nomeiam e os dedos não te procuram.
talvez sejas já, apenas, a sombra dos dias de ontem.
o teu nome não me cerca.
os teus olhos desaparecem com as chuvas.
a vida, um dia, recomeçará: fantasma, presença, ausência
de todas as ausências
dos meus braços.
nesse dia, não mais sobrevoarás as palavras.
Susana Duarte
2014