segunda-feira, 19 de agosto de 2019



deixar os dedos onde as árvores falam

e as aves calam memórias, mantém vivos 

os nós dos dias e a imprecisão dos sonhos.




não sei de onde vêm as absurdas imagens 

que persistem nas veias, ou as fotografias

tiradas sob a luz esmaecida dos tempos.deixar

as aves calar as memórias, desabita a retina 

e deixa vítreos os grãos de areia- outrora 

revolvidos por mãos ansiosas, ágeis,

descomedidas nos toques e na procura 

dos corpos; outrora absurdas, as veias

ondulantes, mulheres desmedidas e intensas 

na avidez dos olhares. mulheres. grãos de 

areia nos corpos amantes, vítreas nos olhares

com que se estendem, aves elas próprias, 




na ignomínia dos abandonos.




Susana Duarte

2016

quarta-feira, 14 de agosto de 2019



as casas feitas de silêncios

são sombras das memórias,

espectros vivos

das fendas

e das cisões.




ofuscam as ténues linhas

que, outrora, ligaram corpos

geométricos,

adjacentes na procura

do sal e do suor.




as casas feitas de luz 

são ecos distantes das vozes

onde se aprofundam solidões.




Susana Duarte

2018


segunda-feira, 12 de agosto de 2019



antevi as mágoas, por entre as palavras:

o vôo raso das aves entreteceu os dias

sobre a pele gasta. antevi as névoas

entre os momentos sombrios da tua boca.




não antecipei, todavia, a partida, 

a morte lenta das frases, o poema 

quebrado na raíz das árvores, 

as areias dispersas da tua vontade,

ou o rumo sem rumo dos corpos;

a vontade etérea da tua boca, a palavra

dispersa do pensamento, e a vaga 

sombra que terminava o teu sorriso.




o vôo raso das aves espalhou a sombra

breve sobre os meus braços, e a vaga

que daí nasceu sobressaltou-me 

as pernas, emprisionou-me os braços,

deteve-me as palavras. assisto, sombria,

ao que dizes. estranho-te o vôo. nada 

sei de quem foste. de quem és. de quem

terias sido, caso o vôo fosse aberto, 

levado por vagas de ar, por ondas

ou por totens localizados no peito.




Susana Duarte


domingo, 11 de agosto de 2019



é breve o sussurro, 

tanto quanto a gota de chuva que invade

a noite.




é breve a noite das mulheres,

e as suas asas são tão curtas

como as horas




e as tréguas.




Susana Duarte
Agosto 2019





surpreendes as memórias,

num presente anunciado:

todo o tempo é terreno,




todo o mar salgado

é uma ave rara




por cumprir. 




surpreendes, todavia, as memórias

e acordas as navegações

de um ventre oculto




onde as palavras mortas

recuperam a água

e renovam o vôo.




são águas novas,

as que se sobrepõem à morte.




são vôos novos,

de aves antigas. são vôos

delicados de aves temerosas.



são os dias

de agora. são os dias 

das deusas e das estações.

são os dias das quimeras,



onde as aves atrasam o vôo

e as mulheres se entregam às nébulas,

tao rarefeitas como elas




Susana Duarte

2017

 sobre o silêncio  pesam as almas das aves, das mulheres sós e da amálgama de peles ao relento em terreno nú nas escadas paridas pelas dores...