sexta-feira, 29 de março de 2013

Foi a primavera que te trouxe


Foi a primavera que te trouxe,
como a todas as coisas raras.

Foi a primavera que te trouxe.

Vieste com as camélias refulgentes da cor rubra 
dos meus olhos quando, por entre os cílios,
antevi os dedos dos teus dedos, a salvação
escrita no peito, e a eternidade do brilho
das águas.

Foi a primavera que te trouxe,
como a todas as coisas raras.


Sobre as ondulações do peito,

escrevi todos os lexemas
que, na foz da palavra,
se ditaram
na alma.


E tu, que vieste com a primavera,

escreveste em mim todos os significados 
das noites
e dos dias.



Susana Duarte




sábado, 23 de março de 2013

Escrita 




escrevo suor em folhas de papel
e detenho as cores nos olhos de mar


derreto águas sobre o papel dos sonhos
e reajo ante a sonora invasão dos rios agitados


onde a alma se revê, renasce, escreve, habita, é.


derreto as névoas intemporais do sonho
e habito-te, na serena calada da noite, 
véspera de todas as manhãs, amplitude 
de todas as cores que ainda serás no peito.


Susana Duarte
Pintura de Margarida Cepêda



terça-feira, 19 de março de 2013

CREIO QUE NASCESTE AINDA ANTES DAS CAMÉLIAS


creio que nasceste ainda antes de as camélias desabrocharem,

luz de todas as flores que me rodeiam,
flor de todas as cores
da vida que tenho dentro. creio que nasceste ainda antes,
onde as rubras cores equilibraram asas
de aves
e as águas dos rios,

e as flores navegaram as águas de todas as veias. creio

que me nasceste. creio que me és,
desde tempos anteriores, onde rios
desaguaram sobre os cabelos
e neles deixaram impressos os dedos, os teus,
direção de todos os meus voos, luz de todos
os meus caminhos. creio que me nasceste nas sombras azuis
da alma, onde o mar é mais brando
e as noites dissipam névoas.
creio que nasceste antes de os meses serem meses
e os dias serem dias,
e as noites serem noites, voador das minhas mãos,
sabedor das minhas dores,
iluminador dos meus caminhos. creio
que nasceste ainda antes das flores serem flores.

as minhas mãos voaram até às flores do teu peito,
e sobrevoaram os densos ossos dos teus dedos,
e amenizaram a espera. cessou a ausência, e a luz

está onde estás tu, aquele que, creio, nasceu antes das camélias.


Susana Duarte


sexta-feira, 15 de março de 2013




posso morrer da tua ausência
como um cão morre da ausência da noite." 





("posso morrer, 1, fragmento", romério rômulo)




Do meu amigo Poeta http://www.facebook.com/romerioromulo.camposvaladares
Procura




desfolha-me de nuvens 
onde as acácias tremem suaves abraços
e, no abraço suave das palavras, 

encontra-me.

Susana Duarte


quinta-feira, 7 de março de 2013

Água


_____________enxuga os dias sobre os olhos da noite_________________



a noite aproxima os deuses da aragem madura
das amoras

e pernoita sobre o teu ventre


______________enxuga os dias sobre as lágrimas da noite_______________


e refaz as pedras de todos os passos alados
das aves

onde demoras a semente,
onde a foz se espraia na boca
e a boca se perde nas flores

da água

que tens nos olhos.


Susana Duarte




terça-feira, 5 de março de 2013

Monólogo de uma lua 



falo-te de ti, e falo-te de mim. falar de ti, é falar das noites claras da procura, e das luzes incendiadas pelo retorno. falar de mim é falar do sabor e do saber feito de dores paridas pelos joelhos da solidão. falar das sombras desfraldadas pelas flores, é procurar, nelas, as vozes que são tuas, as vozes que são nossas. e é percorrer amargas colinas de amendoeiras cujas flores ficaram aquém das aves. falo-te de ti, e falo-te de mim. e nomeio as luzes das coisas estranhas. nomeio as levadas de águas fugidas do musgo onde deitei os braços. agarrei-me ao invisível, ao sagrado, ao noturno, para reencontrar as linhas de ferro de todas as partidas. falo-te dos prados e das ruas ascendentes do esvozeamento da voz. e do enchimento da mágoa. e do espanto sereno de te procurar sempre, nas ruas desavindas dos espectros e dos saberes das feiticeiras. saberes dos dias, nada te ensinou sobre as noites. saberes das noites, nada te iluminou os dias. permaneceste água fugidia e mar revolto em contradança. os passos das bailarinas são vozes sem cor. entregas-me as mãos. de súbito, tremem as nozes no ventre da terra. e voam aves ao núcleo do sagrado. depositas flores nos lábio, e entregas lábios ao vento. vento. voa. sê. desflora as florestas encandeadas por tremores ocultos de outras eras. falo-te de ti, e falo-te de mim. não sabes que a cor dos olhos é a mesma das dúvidas. não sabes, ainda, que a cereja que comes, é a rubra transição do sangue sobre mágoas milenares. mas sabes que as noites, e os dias, sucedem-se na imensa perturbação do tempo, e na perpétua vontade de sermos aves, e na inscrição deixada nos nenúfares, e no sol de todas as palavras que, antes, dissemos. palavras. estranheza no ventre. desassossegada inevitabilidade. sofreguidão dos dias de sol. ser, em cada um de nós, o som de todas as primaveras anteriores.

susana duarte



SEDA


caminho navegando as ondas 
da tua serenidade alada, seda lavrada das noites
e dos olhares marginais das borboletas. sobre as asas
caminho, e sobre o caminho, perpetuo imagens de urdiduras

de mãos que se tocam.

Susana Duarte

segunda-feira, 4 de março de 2013

SAL


saber das lágrimas é saber das grutas
de sal, onde o mar habita, e as mãos se perdem
entre algas, limos, prados marinhos dos olhos
e salinas montanhas de solidão na noite. 

as lágrimas são reinos de sol, e de sal, 
onde aves marinhas ondeiam círculos de liberdade
e elos de paixão. albatrozes sobrevoam os braços,
e asas de mar salgam a vida. estás onde 
as asas se perdem e as escamas vivem.
estás onde o sol aquece as águas e o ventre.
estás onde o albatroz pia e chama o mar em si.
estás onde gotas de água se espalham na noite.
estás onde o mar nos recua as areias da língua,
e onde a língua é sal, e fogo, e água, e mar
da existência. flor de todas as flores de todas 
as águas, és a alga viva do meu corpo. as ondas 
todas, onde me deito. o sal todo, da minha pele.
és, enfim, o voo de cada movimento, de cada
gota de água, de cada onda deste mar revolto
__________________que sou________________.

Susana Duarte



sábado, 2 de março de 2013




As Mãos


vou fazer de conta que o poema nasce só e,
na solitária imensidão das ondas, escrever uma 
palavra. a palavra fará de conta que vivi. levará
outras palavras onde os sorrisos se perderam e
içará das brumas antigas a perene névoa dos olhos.


a palavra é "liberdade". o poema, são as mãos.


levarei mãos onde faltaram palavras. e palavras,
onde se derem as mãos. o caminho, são elas.
________________as mãos__________________






Susana Duarte

 metade de mim é silêncio. onde o silêncio habita as margens das veias, habita igualmente o mar tempestuoso  dos meus pensamentos. metade de...