nada te resta, senão olhar-me de longe. sabes que habito outro plano, o do dia e da luz com que prossigo, todavia, sobre as flores submarinas. nada te resta, senão as lágrimas e o arrependimento. talvez possas ressurgir, noutras vestes, noutros seixos. mas serás sempre a sombra, a vida incompleta que se declina nos lugares que já não procuro.
terça-feira, 28 de maio de 2013
Ondulação do ventre
escrevi-te nas horas distraídas de ser,
e ondulei algas sobre o ventre.
na paixão, sobrevoei algas
mortas, e vi águas
azuis, vivas,
perenes.
seria um sonho,
ou, talvez, a água desperta que cai
nas rochas serenas da vontade. seria,
talvez, a eterna incompletude que cerceia
as águas onde, em repouso sereno, vivem braços
que, no dia a dia, se atomizam, desfazem, reduzem
a escrever, nas horas distraídas de ser,
onde as algas semeiam sobre o ventre.
Susana Duarte
.de olhos fechados.
percorro-te caminhos situados nas nervuras das veias
e subo montanhas onde os poros se revelam aves soltas
as montanhas são heras trepadeiras que voam rumo
a lugares que não sei. deusas conspiram para que as asas
quebrem
e a queda sobre as ervas madrugadoras seja a realidade
imposta às sonoridades dos meus olhos. os olhos
não te vêem e,
na queda das águas da manhã, não seguram a tristeza.
amar-te é a queda das folhas sobre gotas orvalhadas
de uma montanha longínqua. e as sobras das neves.
percorro-te. sonho-te. sinto-te onde não te vejo. estranho
as auroras
pálidas do desejo de ser água. percorro-te. sonho-te.
sinto-te onde não te vejo. as danças pagãs pararam
nas portas das montanhas cobertas de gotas orvalhadas
pela tua longa ausência. sei-te onde não estás. percorro-te
marés e encontro-te nas portas da noite. de olhos fechados.
Susana Duarte
Foto: I. Cetta
segunda-feira, 20 de maio de 2013
PEDRAS
não posso escrever sobre as pedras
escreverei sobre a pele: a pele dada
em noite de brumas, vivida em solos de
espumas, brancas, da maré que em ti fui.
não posso escrever sobre as pedras
escreverei nos teus olhos as noites
serenadas sob mãos cansadas dos dias
e sôfregas de noites claras. em ti, ainda,
a avidez solitária do lobo que caminha
e devasta desertos de ervas poeirentas,
delas afastando as pedras, piroclastos
da existência, quando, inesperadamente,
a vida nos deixou escrever sobre o pó.
não posso escrever sobre as pedras
antes a luz clara do papel dos teus olhos,
a luminosa sabedoria das palavras
silenciadas no beijo claro que me deste.
escreverei esse beijo em cada olhar
dirigido ao céu que miras, aí, a oriente,
perscrutando o sonho e glorificando
o que antevês em cada movimento,
e nas pegadas de caminhantes invisíveis.
não posso escrever sobre as pedras
caídas dos teus olhos sobre o ferro duro
da existência. mas posso escrever no peito
as noites infindas da memória, tornando-as
sal da existência, caminho onde caminho,
as noites todas da minha vida, e a indefinível
paixão com que delimitas o espaço onde existo.
Susana Duarte
terça-feira, 14 de maio de 2013
(...)
vou sentar-me sobre as costas dos teus olhos,
e ver-me através deles, sedentos das névoas
das minhas madrugadas. vou sentar-me sobre
os teus braços e, através deles, rever encostas
onde os seios te abraçaram, e foram eternas
as inermes mãos sobre o dorso. vou sentar-me
sobre as dobras da tua voz, onde o silêncio
me chama e a língua me conquista. sobre ela,
desfazer as névoas que, junto ao rio, pairaram,
no instante do atrevimento. a língua de fogo
dos teus dedos, sobre a língua de fogo da água
que sobre ti se deita, exclamando todas as noites
de todas as idades: idades desfiguradas pelo
silêncio que, sob a chuva, se abateu, pronto
que estava o sorriso dos lábio, pronta a boca
para, sobre ti, pairar e, ali, depositar o dia.
Susana Duarte
palavras e imagem
quarta-feira, 8 de maio de 2013
Silêncio
queria ser jazz;
nota musical e asa crua de um sonho;
vertente úmbria das pétalas
com que desfolhei as noites...
queria ser jazz;
onda quente de árvores quebradas;
lágrima soalheira de uma noite sem voz,
quando as palavras se tornam desnecessárias
e se aprofunda o verbo
em nós.
queria ser jazz;
tríptico de um contrabaixo tocado em silêncio.
persigo a ausência das vozes.
na vertente úmbria das pétalas, o silêncio.
Susana Duarte
palavras e imagem (modificada por Ivano Cetta)
domingo, 5 de maio de 2013
ALVA
vives entre a hora das quimeras e a hora dos dilúculos,
habitado pelos sonhos entrevistos-ansiados-entreditos
dos corpos; sonhos desnudos dos corpos; sonhos ditos
entre vozes sussurradas e manhãs alvas da tua pele...
vives algures entre os sonhos e a incompletude, onde céus
e mágoas e abóbadas de estrelas sonhadas, anseiam ser
mais do que a estranha sofreguidão dos dias; dias teus,
dias meus, dias de azuis-eternos-céus, onde flores e pele
___________alvorecem sobre as ondas_______________
sê as ondas todas que sonhaste. nelas, navegam as alvoradas
mensageiras; todas as aves primeiras, e as águas derramadas
____aurorescem por sobre as pérolas das lágrimas antigas____
Susana Duarte
palavras e imagem
vives entre a hora das quimeras e a hora dos dilúculos,
habitado pelos sonhos entrevistos-ansiados-entreditos
dos corpos; sonhos desnudos dos corpos; sonhos ditos
entre vozes sussurradas e manhãs alvas da tua pele...
vives algures entre os sonhos e a incompletude, onde céus
e mágoas e abóbadas de estrelas sonhadas, anseiam ser
mais do que a estranha sofreguidão dos dias; dias teus,
dias meus, dias de azuis-eternos-céus, onde flores e pele
___________alvorecem sobre as ondas_______________
sê as ondas todas que sonhaste. nelas, navegam as alvoradas
mensageiras; todas as aves primeiras, e as águas derramadas
____aurorescem por sobre as pérolas das lágrimas antigas____
Susana Duarte
palavras e imagem
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