terça-feira, 30 de dezembro de 2014

escreverei à meia noite do poema

escreverei à meia noite do poema, 
onde se desfazem as pedras das calçadas
e os teus passos.

escolheste seguir as pedras de ontem,
e os caminhos levantaram o pó 
dos teus passos.

escreverei à meia noite do poema,
onde o vento desfez a noite, ela própria
uma ave assustada ante a imensidão
do desejo.

morrem os corpos na espera,
enquanto a meia noite do poema se declina
na cor das cerejas.

é na confluência dos dedos
que se desocultam as noites dos corpos,
entidades desejantes, meia noite das vidas
nuas, encontro sobre o leito,
ventos-sul do peito,
quando a meia noite do poema
se escreve nas peles.

Susana Duarte

domingo, 28 de dezembro de 2014

Poema de Joaquim Alves


Livro Novo




No livro novo

do espanto

escreverei

o teu nome



de forma

simples

talvez

emocionada



no livro do espanto

deixarei o teu nome

com um amor

infinito



enquanto voo

com o mar

e as gaivotas



no livro novo

do espanto

"Mãos grávidas"

(...)


foi no tempo                         das chuvas                        e dos olhos                        nús

das auroras sonhadas.                             descansei,                            após a queda 

das rochas                     e a fusão dos rostos,         naquele tempo em que as mãos, 

          grávidas,                                                 escreviam poemas                   nos rostos

dos desconhecidos                                 e nas vozes do mundo.          

                               

o mundo isolou-se de mim
e eu, dele me perdi.





descansei, após a investida das águas,                             mãos grávidas sobre o rosto nu, saliente




das memórias (...)




Susana Duarte
Excerto de "Mãos grávidas", do livro "Pangeia", a lançar  brevemente pela Alphabetum Edições Literárias
Foto: Robert Mapplethorpe





O Amor.





O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.


Miguel Esteves Cardoso

De José Sottomayor.




sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

encontro-te em todos os recantos das uvas

encontro-te em todos os recantos das uvas,
e em todas as luas do meu corpo. revejo 
as imagens dos dias de antes, e as fotos 
traduzem o indizível: a vida consumida 
em poucos momentos, e as velas frutadas 
do meu peito. encontro-te em todos os lugares
noturnos onde as mãos conduziram o voo 
das quimeras, e as asas pernoitaram onde 
os braços perderam as plúmulas e as dores.
encontro-te, enfim, às portas das ruínas
onde romanos guerreiros ergueram lutas
decadentes, como a paixão que me traz
esquecida de mim. encontro-te onde sou,
e onde não serei, nunca, mais do que a sombra
do que desejei, se tu, por mim, não voltares.
se tu, por mim, não dotares os braços de mar
afundando-me, por isso, nas areias e nas algas
de onde não mais consegui sair. 

Susana Duarte





terça-feira, 23 de dezembro de 2014

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Abraça-me



Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas.

Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram.

Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.

Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.

Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes.

Joaquim Pessoa



domingo, 14 de dezembro de 2014

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

O teu corpo


(Foto pessoal)


O teu corpo O meu corpo E em vez dos corpos
que somados seriam nossos corpos
implantam-se no espaço novos corpos
ora mais ora menos que dois corpos

Que escorpião de súbito estes corpos
quando um espelho reflecte os nossos corpos
e num só corpo feitos os dois corpos
ao mesmo tempo somos quatro corpos

Não indagues agora se o meu corpo
se contenta só corpo no teu corpo
ou se busca atingir todos os corpos

que no fundo residem num só corpo
Mas indaga sem pausa além do corpo
o finito infinito destes corpos

David Mourão-Ferreira, in “Obra Poética”

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A não perder.




segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

quando chegares

quando chegares, não acendas a luz:
ilumina-me com o futuro liquefeito dos teus dedos
e olha-me, com a vertente solar
dos teus olhos.

quando chegares, avisa as aves:
soletra cada uma das plúmulas com que desenhaste
as ausências, essas, que fizeram de ti
o sonho apátrida 
das noites.

ilumina-me, então, com o voo abrupto
dos desejos sobre os lábios; 
com a sombra ambígua
das manhãs

e com o eco vago das quimeras.

quando chegares, não acendas senão o peito,
e olha em redor das mágoas:
saberás que as noites
apátridas 

têm recantos onde as aves 
se iluminam; onde as plúmulas desenham círculos
na madrugada, e as mulheres se entregam às brumas.

talvez saibas, então, qual dos caminhos
trilhar. no voo abrupto das aves 
sem nome.





 suspensa nas tuas palavras, pétala descaída de uma flor iníqua, resta-me a memória. és, foste, terias sido,  o parto feroz, a corrente avas...