Camões dirige-se aos seus contemporâneos
.
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
Para passar por meu. E para os outros ladrões,
Iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
.
……………… [Jorge de Sena – in, Metamorfoses, 1963]
nada te resta, senão olhar-me de longe. sabes que habito outro plano, o do dia e da luz com que prossigo, todavia, sobre as flores submarinas. nada te resta, senão as lágrimas e o arrependimento. talvez possas ressurgir, noutras vestes, noutros seixos. mas serás sempre a sombra, a vida incompleta que se declina nos lugares que já não procuro.
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