sexta-feira, 14 de junho de 2019



és inconstante como as nuvens,

e discreto como as aves. és 

a solução última das águas,

que se apartam quando as rochas

fendem os futuros e alienam

os rios. queres o meu silêncio,

tanto quanto queres o meu grito.




não sabes, ainda, para onde vais.

és inconstante como as nuvens,

e belo como as ondas. talvez

caibas onde não cabem sonhos.




sei que permaneces navegável,

apesar da distorção da rota, 

e que as rotas são como veias,

esculpidas, improbabilidades

de um peito desenhado, vermelho

e áspero como as noites frias

de um inverno qualquer.




és inconstante como a maré

jovem que te trouxe até mim,

e improvável como as manhãs

que habitei nos dias de antes.




talvez saibas onde me encontrar.

eu ainda não sei qual foi a maré

que me trouxe aos dias que habito.




Susana Duarte

terça-feira, 11 de junho de 2019



vou esquecer os sonhos de ontem,
como a madrugada desoladora 
se despede da noite:

deixando os pés onde os passos 
são perdidos, e os corpos
se apartam da pele.


vou esquecer a madrugada
como a ave se despede da primavera:
também eu migrarei

para o lugar do oblívio,
onde me deixas a cada palavra.

Susana Duarte


segunda-feira, 10 de junho de 2019



ESPELHO

Iças-me o corpo 
na noite rubra 
do desejo.


Iço-te o desejo 
na noite rubra 
do corpo.

Susana Duarte

domingo, 9 de junho de 2019

a antecipação do beijo teve o sabor
das cerejas rubras dos teus lábios.
é nos teus lábios que penso,
quando falo de tardes encantatórias
e do acordar das mãos.
são tuas, as mãos que ladeiam
os lábios e encantam a língua
que, fresca, amanhece
o corpo.

a antecipação do beijo é, ainda,
a manhã clara do teu nome. tem a cor
encarnada da paixão com que soletrei
a chegada do teu sorriso. não sabes ainda
das ondas convulsas que o nome
convoca, nem das águas detidas
no olhar, quando penso em ti.
tu, nascente dos dias descerrada
da pele, escreves na minha boca
o nascer radioso do dia.

raiaste de vermelho o florir do corpo,
apenas porque antecipaste o vôo
das mãos quando, de súbito,
me colheste o sorriso.

Susana Duarte

 metade de mim é silêncio. onde o silêncio habita as margens das veias, habita igualmente o mar tempestuoso  dos meus pensamentos. metade de...