Mágoa
(ouvindo «Corpse Bride, piano duet»)
acendeste mágoas onde os seios descansam
amas como as metáforas das romãs,
e sabes ainda a noite,
e sabes a dia, e sabes às manhãs ígneas
da abertura dos olhos e das nuvens brancas.
acendeste mágoas, e por isso, sabes aos dias
de antes, e ao esquecimento, depois.
sabes às dores do peito, incendiado pela solidão das noites, onde as sacerdotisas nasciam, fluxos de terra, e de seiva, e de luz. sabes a tudo,
e sabes a mágoas acesas pelo fluxo
da noite.
acendeste as águas do ventre, que depois calaste amas como as rubras
manhãs do desejo, e sabes às maçãs colhidas no arco da primavera;
revejo-te, obelisco erigido em mim,
culto das manhãs onde te espero.
Susana Duarte
nada te resta, senão olhar-me de longe. sabes que habito outro plano, o do dia e da luz com que prossigo, todavia, sobre as flores submarinas. nada te resta, senão as lágrimas e o arrependimento. talvez possas ressurgir, noutras vestes, noutros seixos. mas serás sempre a sombra, a vida incompleta que se declina nos lugares que já não procuro.
domingo, 29 de dezembro de 2019
terça-feira, 17 de dezembro de 2019
preciso do silêncio,
das aves
e da solidão nomeada
pelas sílabas
largas
do vôo por fazer.
preciso da sombra que nasce
da insuspeita asa
da árvore
que traduz o ar
e perpetua a vida.
preciso, enfim, da asa branca
das névoas quando o mar
incendeia as arribas,
derruba os fósseis
e reencaminha o ímpeto de viver.
é sobre o totem vivo
da tua vontade que me ergo.
diz-me onde estás.
Susana Duarte
quinta-feira, 12 de dezembro de 2019
a invenção das aves
nada ensinou sobre o desapego.
trouxe consigo a lucidez das águas,
a trégua entre a nascente e a foz.
nada disse sobre a vida anaeróbia
dos sobreviventes. nada disse
sobre a perda da voz. as aves são
entidades abstractas: nomeiam
as ilusões e apegam-se
às rochas erodidas, onde o vôo
é abismo, interdito, drama
e redenção.
Susana Duarte
quarta-feira, 4 de dezembro de 2019
cabem todas as vozes
no peito ávido dos olhares
trilhados pelos caminhos longínquos
e pelas ondas.
cabem todas as mágoas
nos olhares das aves, e todas as aves
nos olhares das mulheres.
no desassossego do voo,
existes tu, folha caída de uma árvore
sem raízes. existes onde as águas
desassossegam o mar líquido
do ventre, e as folhas
perenes agitam
as sombras.
não existe nada, para além das aves,
e das ondas, e das sombras...
talvez existam as memórias,
as folhas caídas e
o que fomos ontem:. um homem,
e uma mulher - atraídos pelo vôo
das palavras que, por serem ditas,
soavam a eternidade.
Susana Duarte
no peito ávido dos olhares
trilhados pelos caminhos longínquos
e pelas ondas.
cabem todas as mágoas
nos olhares das aves, e todas as aves
nos olhares das mulheres.
no desassossego do voo,
existes tu, folha caída de uma árvore
sem raízes. existes onde as águas
desassossegam o mar líquido
do ventre, e as folhas
perenes agitam
as sombras.
não existe nada, para além das aves,
e das ondas, e das sombras...
talvez existam as memórias,
as folhas caídas e
o que fomos ontem:. um homem,
e uma mulher - atraídos pelo vôo
das palavras que, por serem ditas,
soavam a eternidade.
Susana Duarte
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