quinta-feira, 19 de junho de 2025

 e agora, dormes.


velo o teu sono (habito-o?) 

onde a morte te apartou de mim


e o vento tudo derruba

dentro do meu peito triste.


só as aves poisam serenas,

libertas


sobre o nada e os acasos

e a fruta madura.


e agora, dormes.


só a luz te leva para o lugar

das maçãs camoesas, 

ou das estrelas luzentes

       da vida


que te trouxe um dia a mim: útero,

alma, peito e vida.              dormes.


nada sei. 

dormes onde abraças 


           o que não alcanço.


a vida que em ti dorme

transforma os frutos

e dá-me a sede


     outrora desconhecida.


Susana Duarte


Mais um dia sem ti, minha mãe, Maria Elisa Ribeiro , minha protecção no céu infinito ♾️.

domingo, 15 de junho de 2025

 esqueci-me dos sonhos de ontem

quando o serão, desolador, 

se despediu da noite


e a noite, essa, anunciou a madrugada 


em que  os passos se perderam


(tanto quanto o corpo

se apartou da pele,


e a pele, dos ossos,

e os ossos, da alma,


e a madrugada anunciou a despedida 

da ave, 

de todas as aves,

de todas as primaveras vindouras).


não esqueço a madrugada silente, 

embora migre em cada noite  

para o lugar do oblívio


(onde me deixaste, vivem as palavras

despudoradas


da existência 

de todos os que continuam, 


a cada dia,


a usar cada um dos vôos

que nos ensinaste, cada ave falando de ti,


cada uma delas a pena

e o osso

e a pele 

e a memória 


que me veste desde o avesso da pele,

residindo tu em cada célula,

movimento, 

fôlego 


e mirada).


Susana Duarte 


Contigo, minha mãe, Maria Elisa Ribeiro 🙌 🤍 ✨ 


Susana Duarte


segunda-feira, 9 de junho de 2025

 carta à minha mãe 

Maria Elisa Ribeiro 


descansa bem,

que os teus filhos cresceram 

e onde descansas, minha mãe 

as rosas abrem as asas


à procura do teu céu. descansa,

minha mãe, que os teus filhos dormem 

o sono do acordar, vigiando


-com as névoas do olhar-

as memórias         com que nos vestes.


descansa, minha mãe, lá onde 

anjos brancos rodeiam o teu sorriso 

      (desamparados os nossos)

e os teus filhos vivem           os dias

    

                 roubados

aos teus braços,     lentos      cansados

onde dormiam os meus temores


enquanto tu, minha mãe, me erguias 

os sonhos, amparavas as quedas,

nutrias o sorriso, o orgulho e o contentamento


de te ser filha, de te ser tua, 

               gerada

                 amada

                   crescida

das veias que, agora, te mantém adormecida,

silente, voz erguida aos céus que não alcanço 


e eu durmo, minha mãe, 

      e esqueço o amanhecer dos dias seguintes 

dias sem ti, são dias sem ti, são dias 


apenas dias, dias opacos, apenas memória,

apenas esperança na oração 

que nos devolve uma primavera     apenas isso:

primavera.           apenas tu, na minha mente.


descansa,  minha mãe. os teus filhos cresceram 

e os teus netos, esses, prosseguem 

as baladas da vida e das horas e das flores

  que crescem,         apesar de tudo, 

apesar de as ruas me verem             deserta.


descansa bem, descansa no meu rosto,

descansa apesar de eu não te ver.       creio.


            ora por nós.




LMinha mãe, Maria Elisa Rodrigues Ribeiro 🤍✨🙌

sexta-feira, 6 de junho de 2025

 recolhi as palavras que te tornavam real 

sob o toque inacabado das mãos 

que me deixaste: caídas, 

desamparadas e cegas. faltavas-me,


mas sugaste os sorrisos,e os dedos 

das mãos. faltavas-me e, todavia

eu sabia que não residias nas ondas 

dos meus seios, ou nas curvas negras 

dos cabelos revoltos pelo temporal

da tua presença. 


tu, habitante flávio dos meus dedos, 

pequeno nada onde  perdi as sombras 

das palavras e da boca rubra, totémica e despojada que depositei nos teus braços

faltavas-me,


mas recolhi as palavras, tanto como o corpo por onde, irados, desenhámos arabescos


que são da ordem das quimeras e das transumâncias a que me condenaste


depois.


Susana Duarte

2021


Em tempos, escrevia assim.

 e agora, dormes. velo o teu sono (habito-o?)  onde a morte te apartou de mim e o vento tudo derruba dentro do meu peito triste. só as aves ...