sexta-feira, 13 de novembro de 2009


(Foto de uma das casas do Lugar dos Afectos, próximo de Aveiro)

Azul...
eis a minha cor preferida. Azul do Planeta azul, azul de mar e de céu. Azul de harmonia e bem-estar. Azul cobalto, azul céu, azul bebé...azul escuro, esverdeado, turquesa....AZUL!
Em tempos a cor dos servos, por contraposição com o vermelho, cor dos nobres, é também a cor do mirtilo, do miosótis (que nos diz "não me esqueças"), de lindas pedras preciosas...
Na tradição Wicca, o azul é a cor dos rituais relacionados com harmonia,paz e os sonhos...com a serenidade, a verdade e a compreensão. O azul-marinho corresponde à energia de Saturno; o azul claro; à inspiração e à energia de Aquário.

Azul: palavra presente em belas poesias e prosas de encantar. Eis um belo poema de Sophia de Mello Breyner Andresen:

Bebido o luar, ébrios de horizontes,
Julgamos que viver era abraçar
O rumor dos pinhais, o azul dos montes
E todos os jardins verdes do mar.

Mas solitários somos e passamos,
Não são nossos os frutos nem as flores,
O céu e o mar apagam-se exteriores
E tornam-se os fantasmas que sonhamos.

Por que jardins que nós não colheremos,
Límpidos nas auroras a nascer,
Por que o céu e o mar se não seremos
Nunca os deuses capazes de os viver.


Já Fernando Pessoa afirmou, de uma forma brilhante:

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


Um excerto de um texto de Clarice Lispector:

...sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava de morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus,..., faz de conta que vivia e que não estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e os seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e a luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranqüilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro...

Citando Carl Sagan:

Nós podemos explicar o azul-pálido desse pequeno mundo que conhecemos muito bem. Se um cientista alienígena, recém-chegado às imediações de nosso Sistema Solar, poderia fidedignamente inferir oceanos, nuvens e uma atmosfera espessa, já não é tão certo. Netuno, por exemplo, é azul, mas por razões inteiramente diferentes. Desse ponto distante de observação, a Terra talvez não apresentasse nenhum interesse especial. Para nós, no entanto, ela é diferente. Olhem de novo para o ponto. É ali. É a nossa casa. Somos nós. Nesse ponto, todos aqueles que amamos, que conhecemos, de quem já ouvimos falar, todos os seres humanos que já existiram, vivem ou viveram as suas vidas. Toda a nossa mistura de alegria e sofrimento, todas as inúmeras religiões, ideologias e doutrinas econômicas, todos os caçadores e saqueadores, heróis e covardes, criadores e destruidores de civilizações, reis e camponeses, jovens casais apaixonados, pais e mães, todas as crianças, todos os inventores e exploradores, professores de moral, políticos corruptos, "superastros", "líderes supremos", todos os santos e pecadores da história de nossa espécie, ali - num grão de poeira suspenso num raio de sol. A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pensem nos rios de sangue derramados por todos os generais e imperadores para que, na glória do triunfo, pudessem ser os senhores momentâneos de uma fração desse ponto. Pensem nas crueldades infinitas cometidas pelos habitantes de um canto desse pixel contra os habitantes mal distinguíveis de algum outro canto, em seus freqüentes conflitos, em sua ânsia de recíproca destruição, em seus ódios ardentes. Nossas atitudes, nossa pretensa importância de que temos uma posição privilegiada no Universo, tudo isso é posto em dúvida por esse ponto de luz pálida. O nosso planeta é um pontinho solitário na grande escuridão cósmica circundante. Em nossa obscuridade, no meio de toda essa imensidão, não há nenhum indício de que, de algum outro mundo, virá socorro que nos salve de nós mesmos.

"O menino azul" de Cecília Meireles:

O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
— de tudo o que aparecer.

O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)

8 comentários:

  1. Susana
    Esta página hoje está mais bela do que nunca. Desde a casa azul da Aldeia dos Afectos aos azuis expressos em todas as tonalidades nos belissimos poemas e prosas.. Tudo convida á tranquilidade para um fim de semana vivido nos e dos afectos.
    Um beijo carinhoso
    Graça

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  2. Simplesmente bonito este teu post, Susana. Nao podia deixar de o comentar, pela forma que me tocou. O "menino azul" de Cecilia Meireles diz-me muito. Transcendeste-te. Parabens
    Espero que estejas bem. Um beijo
    Francisco

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  3. Estou, simplismente, sem ar.
    Tudo o que há de melhor está aqui!
    Amo cada parte de tudo o que aqui registraste.
    Tudo azul o que torna ainda mais belo.
    Tenho um poema chamado Crepúsculos Azuis, qualquer hora publico e te dedico, amiga.
    Ele fala do amor do sol pela lua, aonde o sol invade as cores da noite para a cortejar.
    Beijinhos em teu coração azul

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  4. Confesso-me plena de tanto azul porque também é uma cor eleita para mim, com um significado muito especial. E aqui com todo este azul que nos consegue transcender nos seu múltiplos significados ficamos com o azul em todos os nossos sentidos...

    Obrigada por este momento azul de paz e tranquilidade que ilumina qualquer alma...

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  5. Obrigada pelas vossas palavras gentis.
    Malu, quero ler esses Crepúsculos!

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  6. Foi através de um olhar em azul que admirei toda a cor aqui explanada.

    Um abraço em tom de azul

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  7. Que linda casa, inusitada para mim!

    sabe que tambem gosto muito da cor azul, tenho varias blusas desta cor, o azul transpassa paz e aconchego, so q esqueceu do azul celeste acho rsrs

    bjs!

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  8. Que post... Fico sem fôlego para comentar seja o que for; apenas dizer que também eu adoro o azul, azul madrugada, azul bebé, azul mar...e que gostei muito de saber algumas coisas (o azul dos servos que desconhecia)e de ler alguns mais avidamente do que outros os excertos aqui deixados.

    Ah... e e nao sabia que myosotis significa "nao me esqueças". faz-me lembrar o "Shalom" de Paz e que se usa como saudação conforme os italianos usam "ciao". A ver se não me esqueço. E obrigado pela incondicional e autêntica amizade.

    beijinho amigo

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