quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Por todas as madrugadas.



retive, entre os dedos, as conchas devassadas
pela natureza impetuosa da língua, e as flores,
e os grãos de areia laminados pelas tuas mãos.

guardei tudo onde a água não me alcança,
e os abraços ficam por dar. é nesse lugar triste,
de faltas e de dores, que guardei as conchas,


e as flores, e os grãos de areia, e as tuas, 
e as minhas mãos. as que perdeste, no lugar
misterioso onde caem os abraços e se perdem

beijos. as circunstâncias dos beijos, são as mesmas
das abelhas: correriam livres onde as flores 
não polinizadas esperassem por novas auroras.

nessas auroras, faltam, todavia, as palavras.
habituar-me-ei a todas as ausências, mas nunca
às ausências das palavras, as que se desgastam

sob os dedos marinheiros que escondes na areia.
se souberes onde as perdeste, ou onde o medo
perdura por entre as conchas fundas do ser, diz

o meu nome, e abraça-o, e traz a mim a língua,
a que devora os grãos de areia que sou, e as mãos
entrelaçadas, devassadas também elas pela urgência

do abraço. nesse momento, deixa que a língua
me trespasse, e faça renascer sob o corpo-mar
das arribas. diz o meu nome. e tira-me de onde

as palavras insistem em não ser ditas, e o amor,
esse vagabundo, teima em perder os dedos estranhos
das navegações dos olhos. e fica. ousa as palavras.

ousa as palavras. e deixa que as vertentes solares
trespassem as noites todas, e incendeiem as litanias
das ondas, e tudo mude de lugar: eu, tu, e as conchas,

e os grãos de areia, e as flores polinizadas, e os mares,
e os abraços teimosamente navegados pelas ausências
das palavras que insisto em te pedir, ou em roubar

às mãos que escondes na areia, e me deste por um breve,
redondo, insistente e profundo momento de esquecimento:
todo o esquecimento é feito de palavras, tal como aquelas

que te peço, ainda, tresmalhadas das ondas, e das nuvens,
e dos solares dias anteriores ao mosto, onde és tudo 
o que quero reter nos olhos, e nos recantos onde as mãos,

esquecidas de todas as convenções, e de todas as expiações,
pousaram resolutas, anímicas, totémicas, talvez nuas
de tudo o que dissemos antes e, por isso, vivas.

Susana Duarte

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