"O cansaço é nascente como o sol"
nada te resta, senão olhar-me de longe. sabes que habito outro plano, o do dia e da luz com que prossigo, todavia, sobre as flores submarinas. nada te resta, senão as lágrimas e o arrependimento. talvez possas ressurgir, noutras vestes, noutros seixos. mas serás sempre a sombra, a vida incompleta que se declina nos lugares que já não procuro.
segunda-feira, 26 de março de 2018
domingo, 18 de março de 2018
sábado, 17 de março de 2018
invocar o nome ausente
é libertar as asas para um vôo
ao centro das memórias,
onde se arrastam espectros
e pronunciam palavras mortas.
libertar as aves no centro da terra,
quando se invoca o nome ausente,
convoca as dores antigas
das mulheres ensimesmadas.
são as mulheres que movem
as asas da humana condição.
habitam-nas as estórias
do amor e do fel, e os cabelos
perdidos, e os dedos suspensos,
e os corpos dilatados
de todas as paixões.
é delas, o mundo.
[é delas, o mundo
a que não pertencem,
nunca, os amores
possíveis],
porque as mulheres são
impossibilidade,
presente e futuro,
e as memórias todas
de todas as aves. e todos
os nomes ausentes
sobre a pele salgada
de ontem.
Susana Duarte
entre o medo e a sombra,
a luz lenta
dos braços
(curvos sobre os poros,
e ocultos pela maresia:
algaço
despovoado de ondas)
entre a luz e o nada,
a sombra inequívoca
dos braços,
onda nova sobre a pele,
onde escreves mar
e desenhas
espaços de sono e de sonho
(e a mulher é
um rifte)
onde inscrevo as pedras
e vou
Susana Duarte
segunda-feira, 5 de março de 2018
“(…)
RAOMOMAR
amor confuso, amor repetido, amor esotérico,
[amor mágico.
– MAR
mar perdido de conchas no meio do mar
mar de marés justapostas de amor num mar
[de marfim.
perdido no teu joelho de marfim.
mar de bosques que anuncia ao estrangeiro
[terra perfumada
oceano no teu oceano de olhar
Isís a mulher de Osíris ? – a realidade misturada.
no MAR.
mar que te apontei do alto da torre coberta
[pelo nevoeiro
pelo avião que atravessa o espaço
pelo incêndio que percorre o mundo
[num autocarro
pelo soerguer do teu corpo semi-quente
[na madrugada
mar azul-vermelho queimado de arestas
mar de dedos frios, de velas sibilinas na noite
[de cristal
mar de sonâmbulos esquecidos a medir o espaço
[com fitas de estrelas
mar de passageiros estranhos e abismados
mar de casas altíssimas onde habitam as cidades
MAR para que não me chegam os olhos
Mar branco de nuvens sobrepostas para lhe
[podermos passar por cima
Mar de esquecimento, de objetos sensíveis
[e distintos
Mar onde guardei o aquário azul que trouxe
[até hoje na memória
e só hoje te espalho para o mundo MAR
onde é possível e provável o envenena
[mento total da espécie.
onde descanso a minha mão esquerda
[sobre uma pantera negra
e todos os dias mergulho em fogo
Amor sem nexo, amor contínuo,
[amor disperso – MAR
mar com uma bala direita no cérebro
mar sem apoio em nenhum ponto do espaço, mas
preso apesar de
tudo numa enorme teia diabolicamente construída
para conseguir
ser livre
mar de submarinos insondáveis que navegam o
infinito do mar
mar espacial de sons, de cores, de imagens, de mil anos passados
que percorremos
MAR que flutua no MAR abusivamente medonho
amor esquecido, amor distante, amor insolente
RAOMOMAR
(…)
António Maria Lisboa (Lisboa, 1/8/1928 – Lisboa, 11/11/1953)
Poeta.
domingo, 4 de março de 2018
Maçãs rubras
Maçãs rubras
(ouvindo Françoise Hardy, “On se quitte toujours”)
as rubras maçãs do sorriso e as névoas indistintas da
memória fundem noites
no sangue
púrpura do
corpo. as rubras noites do desejo são riso
e são sombra e
são glória das costas que se
erguem sob o peito obscuro do rio. noites
brancas do sangue. corpo exangue sobre o leito azul. as rubras maçãs do sorriso
eram manhãs elevadas à eternidade dos corpos dos amantes. os sonhadores
serão sempre a caixa vazia da realidade, frugal, desnecessária, risível, do leito
vazio.
escrevi-te nos recantos purpúreos, carnosos, do corpo e da
memória,
onde extingues a vida com a ausência das
mãos.
sobra, sobre nós,
o rio.
Susana Duarte
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