segunda-feira, 26 de março de 2018



"O cansaço é nascente como o sol"
Gastão Cruz


they leave 
and act like it never happened 
they come back 
and act like they never left


-ghosts

Rupi Kaur
The sun and her flowers

domingo, 18 de março de 2018



poemas são transumâncias
de deuses

pastam nos versos
a infinita criação


valter hugo mãe 
publicação da mortalidade
Assírio e Alvim




se alguma vez me vires em sonhos
sacode-me a terra ao coração




valter hugo mãe 
publicação da mortalidade
Assírio e Alvim

sábado, 17 de março de 2018



invocar o nome ausente
é libertar as asas para um vôo
ao centro das memórias,

onde se arrastam espectros
e pronunciam palavras mortas.


libertar as aves no centro da terra,
quando se invoca o nome ausente,
convoca as dores antigas 
das mulheres ensimesmadas.

são as mulheres que movem
as asas da humana condição.
habitam-nas as estórias 
do amor e do fel, e os cabelos
perdidos, e os dedos suspensos, 
e os corpos dilatados 
de todas as paixões.

é delas, o mundo.

[é delas, o mundo 
a que não pertencem,
nunca, os amores
possíveis],

porque as mulheres são 
impossibilidade,
presente e futuro, 
e as memórias todas
de todas as aves. e todos 
os nomes ausentes
sobre a pele salgada

de ontem.

Susana Duarte




partiste,
e ficaste no recanto escuro 
do teu inferno
sem asas.


não ouses voltar 
a tirar, das flores,
as pétalas.

não ouses roubar 
as asas das borboletas.

Susana Duarte




entre o medo e a sombra, 
a luz lenta
dos braços

(curvos sobre os poros,
e ocultos pela maresia:
algaço
despovoado de ondas)


entre a luz e o nada,
a sombra inequívoca
dos braços,

onda nova sobre a pele,
onde escreves mar 
e desenhas

espaços de sono e de sonho
(e a mulher é
um rifte)

onde inscrevo as pedras

e vou

Susana Duarte


segunda-feira, 5 de março de 2018



“(…)

RAOMOMAR



amor confuso, amor repetido, amor esotérico,

[amor mágico.



– MAR



mar perdido de conchas no meio do mar

mar de marés justapostas de amor num mar

[de marfim.

perdido no teu joelho de marfim.

mar de bosques que anuncia ao estrangeiro

[terra perfumada

oceano no teu oceano de olhar

Isís a mulher de Osíris ? – a realidade misturada.

no MAR.

mar que te apontei do alto da torre coberta

[pelo nevoeiro

pelo avião que atravessa o espaço

pelo incêndio que percorre o mundo

[num autocarro

pelo soerguer do teu corpo semi-quente

[na madrugada



mar azul-vermelho queimado de arestas

mar de dedos frios, de velas sibilinas na noite

[de cristal

mar de sonâmbulos esquecidos a medir o espaço

[com fitas de estrelas

mar de passageiros estranhos e abismados

mar de casas altíssimas onde habitam as cidades



MAR para que não me chegam os olhos

Mar branco de nuvens sobrepostas para lhe

[podermos passar por cima

Mar de esquecimento, de objetos sensíveis

[e distintos

Mar onde guardei o aquário azul que trouxe

[até hoje na memória

e só hoje te espalho para o mundo MAR

onde é possível e provável o envenena

[mento total da espécie.

onde descanso a minha mão esquerda

[sobre uma pantera negra

e todos os dias mergulho em fogo



Amor sem nexo, amor contínuo,

[amor disperso – MAR



mar com uma bala direita no cérebro

mar sem apoio em nenhum ponto do espaço, mas

preso apesar de

tudo numa enorme teia diabolicamente construída

para conseguir

ser livre

mar de submarinos insondáveis que navegam o

infinito do mar

mar espacial de sons, de cores, de imagens, de mil anos passados

que percorremos



MAR que flutua no MAR abusivamente medonho



amor esquecido, amor distante, amor insolente

RAOMOMAR

(…)


António Maria Lisboa (Lisboa, 1/8/1928 – Lisboa, 11/11/1953)
Poeta.

domingo, 4 de março de 2018

Maçãs rubras


Maçãs rubras
(ouvindo Françoise Hardy, “On se quitte toujours”)









as rubras maçãs do sorriso                e as névoas indistintas da memória                 fundem noites
no sangue          púrpura                    do corpo.                             as rubras noites do desejo são riso
e são sombra      e são glória           das costas que se erguem sob o peito obscuro do rio.  noites
brancas do sangue.                corpo exangue  sobre o leito azul.            as rubras maçãs do sorriso
eram manhãs elevadas à eternidade                          dos corpos         dos amantes. os sonhadores
serão sempre a caixa vazia da realidade,             frugal,          desnecessária,         risível,   do leito
                                                                                                                                                                vazio.






escrevi-te nos recantos purpúreos,                     carnosos,                           do corpo e da memória,
onde extingues a vida                       com a ausência das mãos.                               sobra, sobre nós,
                                                                                                                                                              o rio.


Susana Duarte

 suspensa nas tuas palavras, pétala descaída de uma flor iníqua, resta-me a memória. és, foste, terias sido,  o parto feroz, a corrente avas...