sábado, 3 de outubro de 2020

Procura

 procuro-te nos lugares 

improváveis, sossegando 

o olhar nos gatos da rua,


tão improváveis como as aves;

tão céleres como as noites 

ávidas;


tão estranhos como nós.


Susana Duarte

domingo, 6 de setembro de 2020

Prometo-te um poema

 prometo-te um poema

de silêncio e navegação,


uma onda lenta na pele,

o mar, a saudação


leve do dedo sobre a boca


e a neve que se desfaz nas costas

desabitadas.


Susana Duarte


domingo, 2 de agosto de 2020



espero por ti, 

como se espera por um fantasma,

e caminho na noite 

como se as esquinas me devolvessem 

o sorriso de outrora.




espero pelo teu regresso

e não alcanço senão o dedo esticado

(por mim) a oriente.




não sei onde moram os beijos

prometidos, ou a sensação latente

do teu regresso. partiram contigo




e, todavia, espero ainda pelas mãos,

as tuas, 

pelo toque das palavras,




e pelos dias da mansidão clara

das quimeras.




espero, ainda, que tragas contigo

a suavidade das maçãs rubras

do desenho dos corpos,




a metafísica das águas,

e a iluminada crença

na paixão com que delimitas




os meus passos, me cerceias 

as asas

e destróis os beijos.




melhor seria ver-te desfazer

os espectros com que me rodeias

e dar lugar ao vôo largo

de outras chegadas.




Susana Duarte




sexta-feira, 29 de maio de 2020



perdeu-se a poesia
nos passos descalços
da tua ida para o oriente


-salvando-se, todavia,
as asas do nome 


que não digo.


apesar das palavras,
a noite foi a feiticeira 
possível das águas do rio


-o mesmo que me resgatou
para, de seguida,
me afundar


onde me olhas.


(iça-me)

Susana Duarte

quarta-feira, 6 de maio de 2020

vou com o vento



vou com o vento.


sobrevoo as águas 
lamacentas
e os sonhos,


destapando as asas
com que me escondo 
das aves


e resgato a noite
oculta nos olhos


vou contigo, 
deixando para trás as fontes
frescas onde as asas

amainaram o voo.


vou com o vento-
a água desfaz as névoas
e as asas são algaço


sobre os ombros
onde surge a aurora


Susana Duarte

segunda-feira, 30 de março de 2020


és translúcido, 
uma fina camada de nada 
sobre a pele.

vives entre a pele e a dor,
navegando o suor
e as noites desenhadas
sobre os dedos, ou
sob a camada fina da alma.

és translúcido,
e deixas desertos de nada
onde outrora pousou
uma borboleta.

a impossibilidade é um oceano
de espuma e algaço,
debicado por uma gaivota
sem uma asa.

Susana Duarte
30/03/2019



domingo, 8 de março de 2020



o poema desorganiza-se,
observando o voo das aves trémulas.

é um poema-ave, o que se fractura
nas encostas das manhãs
seguras.


Susana Duarte

 06/08/2025 em crescendo, soluçam em mim dias e noites vazias onde, dantes, caminhava ao teu lado. queria tanto ver-te em sonhos. queria tan...