quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

APRESENTAÇÃO DE “PESCADORES DE FOSFORESCÊNCIAS”, DE SUSANA DUARTE (Texto de Jorge Castilho)


Em Dezembro de 2012, aquando da apresentação de "Pescadores de Fosforescências", o meu querido e muito estimado amigo Jorge Castilho aceitou honrar-me com a sua presença, as suas palavras, abraçando o livro com a apresentação que fez do mesmo. Jornalista e professor de jornalismo em escolas dos ensinos secundário e superior, trabalhou no Jornal de Notícias, Diário de Coimbra (Director-Adjunto), agências noticiosas ANI (actual LUSA) e Reuters, jornal “AuriNegra” (Director). Fundador e Director de "Jornal de Coimbra", jornal "Centro", "Diário do Centro" e "Jornal da Universidade"; Co-fundador e Director da Rádio Futura e Director-Geral da Rádio Jornal do Centro / TSF-Coimbra; Co-fundador e Administrador da produtora de televisão Genial Video; co-fundador do canal TV Saúde, foi Sub-Director da Casa-Museu Miguel Torga e ainda i co-fundador e administrador da Agência de Desenvolvimento Regional CoimbraVita. É fundador e Presidente do Grupo de Reflexão e Intervenção “Questão Coimbrã”; Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APPACDM (Associação Portuguesas de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental); Vice-Presidente do Comité da Alliance Française de Coimbra; co-fundador e dirigente do Conselho da Cidade de Coimbra; co-fundador e dirigente do Clube da Comunicação Social de Coimbra; membro do Rotary Club de Coimbra / Olivais; membro da Associação “República do Direito”; membro do Conselho Consultivo da Fundação Portuguesa de Cardiologia. Integra, há vários anos, a Comissão Municipal de Toponímia de Coimbra.Além de um ilustre Cidadão, é um Homem de amizades duradouras. Transcrevo aqui o texto com que, então, me acompanhou.


Obrigada, meu amigo!!!





As minhas saudações muito cordiais para todos vós.

Sou, desde a juventude, e por ofício, um operário da palavra escrita. Daí que a ela recorra quando, como é agora o caso, desejo evitar que as palavras ditas se dispersem em excesso, se prolonguem em demasia. Torna-se, assim, menor, o risco de vos maçar.

Feito este esclarecimento, quero afirmar que é um prazer imenso estar aqui, hoje, convosco.

Desde logo pelo local: esta capela onde a religião agora é a cultura, aqui celebrada por todos os credos, por todas as artes, num ecumenismo que tanto veio valorizar Coimbra – e que Coimbra, infelizmente, não tem acarinhado tanto como devia.

Vai valendo a perseverança dos responsáveis deste projecto concretizado verdadeiramente “àCapella” (isto é, sem acompanhamento), e que felicito na pessoa de António Ataíde (Becas, para os Amigos), pela persistência, pela dedicação, pelo esforço, pelas excelentes iniciativas que aqui promove e que aqui acolhe.

O gosto que tenho em estar aqui releva também do facto de se tratar do lançamento de um livro que sai do prelo graças a uma editora exemplar, a Alphabetum, que busca novos talentos e lhes proporciona a possibilidade de divulgarem as suas obras – que, de outra forma, e na maior parte dos casos, certamente nunca seriam publicadas. Um trabalho que, por isso, bem merece o nosso reconhecimento.

Mas o prazer maior decorre da circunstância de participar na apresentação do primeiro livro de Susana Duarte, alguém que considero muito especial, quer enquanto ser humano, quer enquanto poeta (ou poetisa, se preferirem).

Foi no chamado mundo virtual, no labiríntico universo da internet, que descobri a poesia de Susana Duarte. Através de poemas que a Susana começou a colocar, de vez em quando, no seu mural do Facebook, de forma muito discreta – eu diria mesmo tímida, quase como quem pede desculpa pela ousadia.

A verdade, porém, é que muitas pessoas houve que, tal como eu, imediatamente se apaixonaram por essa poesia tão original, só ao alcance dos poucos que fazem jus a ser tratados por poetas, na mais nobre acepção do termo.

Aos comentários elogiosos que muitos iam deixando (e continuam a deixar) no seu mural, Susana Duarte reagia agradecendo sempre, a todos, mas denotando alguma surpresa, talvez até certo constrangimento, por julgar que eram apreciações ditadas apenas pela amizade de quem as subscrevia.

E creio que terá resistido a compenetrar-se de que os elogios eram sentidos, eram sinceros, eram merecidos.

As suas dúvidas talvez só tivessem começado a dissipar-se quando surgiram figuras insuspeitas e com inquestionável autoridade (como é o caso, por exemplo, do poeta Joaquim Pessoa), a fazer apreciações muito positivas dos poemas revelados.

Terá sido também com o acto de lavrar a “Terra de Encanto” (título feliz para o blogue que criou), que Susana Duarte, perante as palavras sempre muito encomiásticas para o que germinava da sua sementeira, começou a aperceber-se, com algum espanto, que a poesia que de si emanava não era apenas um desabafo de alma ou um mero exercício lúdico para si mesma, mas também algo que suscitava prazer a quem a lia.

Como corolário da sedução exercida pelos seus poemas, muitos terão sido os que, como eu, a incentivaram a que desse oportunidade à sua poesia de voar mais alto e mais longe, com a publicação em livro.

E eis que esse desejo de tantos amigos e admiradores se concretiza agora, com estes “Pescadores de Fosforescências”. A vida, afinal, nem sempre é só injusta…

Pouco justa, pouco acertada, foi a escolha do apresentador. Sem falsas modéstias afirmo que o primeiro livro de Susana Duarte merecia alguém mais qualificado para a tarefa. Apesar do meu alerta, ela insistiu na convocatória, pelo que aqui estou, naturalmente desvanecido, orgulhoso e muito honrado. E trazendo comigo dois amigos, que me vão ajudar nesta empreitada.

O primeiro é Miguel Torga, que conheci na minha infância, já que era íntimo amigo de meu Pai. Uma amizade com que também me distinguiu ao longo de toda a vida. Escreveu Torga, no prefácio da sua Antologia Poética:

“É um duro ofício, o de poeta. Começa por ser uma vocação irreprimível e acaba por ser uma penitência assumida. A fatalidade e a voluntariedade inexoravelmente conjugadas no mesmo destino carismático e aziago que só encontra sentido na fidelidade com que se cumpre. O risco supremo de enfrentar eternamente os juízos do futuro aceite como graça suprema”.

É evidente que quem lê Torga, mas sobretudo quem o conheceu de perto, sabe da sua busca quase obsessiva pela perfeição, pela palavra exacta, pela frase burilada, pelo verso depurado. O que dele fazia um criador sempre insatisfeito, sempre angustiado.

E não tenho dúvidas de que este é, de forma mais ou menos intensa, o pagamento que a Natureza exige em troca do génio que concede.



Convoco agora o meu segundo amigo que hoje aqui me acompanha, para nos dar uma visão menos rígida da poesia: é Manuel António Pina, meu camarada de Redacção no Jornal de Notícias durante mais de duas décadas, um dos mais notáveis criadores literários portugueses, que a morte, há pouco, prematuramente decidiu levar.

Dizia o Pina:

“A poesia é uma forma de felicidade como outra qualquer – e por acaso até acho que as pessoas que fazem poesia e as pessoas que lêem poesia são as mesmas. Mesmo que não mostrem, têm de certeza sonetos na mesinha-de-cabeceira, com água a rimar com mágoa. As 300 pessoas que em Portugal compram livros de poesia são as 300 pessoas que escrevem poesia também – já pensei juntá-las numa jantarada".

Obviamente que esta era a faceta irónica do Manuel António Pina, que noutro momento, já mais sério, afirmava:

"A maioria dos poetas diz que escreve por necessidade, o Jorge Luis Borges dizia que quando não escrevia tinha remorsos. Se isso não fosse demasiado dramático, eu diria a mesma coisa. A verdade é que acho que passaria muito bem sem poesia – mas se calhar seria outra pessoa. A poesia faz uma espécie de mais-que-sentido: acho que é desse sentido que temos necessidade, e a necessidade de quem lê é semelhante. Ler poesia é uma forma de fazer poesia".

Invoquei a memória e utilizei as sábias palavras destes meus dois amigos, que da lei da morte se libertaram já, para justificar aquilo com que vou surpreender-vos, e, temo, com que vou decepcionar a Autora: a confissão de que não sou capaz, de que não quero sequer tentar, apresentar-vos esta obra…

De facto, não consigo fazer com “Pescadores de Fosforescências” aquilo que é habitual esperar-se do apresentador de um livro – e que tenho feito ao apresentar outros livros, mas de prosa, em que é relativamente simples fazer análises sob os mais variados ângulos.

Tenho participado, como mero espectador, em lançamentos de livros de outros poetas, que após ouvirem o apresentador me confidenciam todos mais ou menos o mesmo: “Não fazia a menor ideia de que tinha escrito o que agora foi referido. E muito menos com as intenções e o significado que acabam de me ser atribuídos”.

Ora eu entendo que a poesia é uma obra de arte, comparável, por exemplo, a uma pintura.

O poeta usa agora as palavras de forma livre, sem sujeição a métricas e a rimas. E tal como há pintores que utilizam letras nas suas obras (e não me refiro, obviamente, à assinatura de cada quadro), também há poetas, como Susana Duarte, que em alguns dos seus poemas, para além das palavras, das ideias, dos sentimentos, recorrem a traços, a espaços, a transgressões dos cânones morfológicos e gráficos, para melhor tentarem exprimir o que lhes vai na alma.

Permitam-me uma analogia: uma pintura de Miró é um cromático conjunto de traços e pontos, de formas geométricas, de uma aparente simplicidade, mas de uma enorme complexidade. De tal forma que é inconfundível.

Cada um dos que apreciam cada obra deste, e de outros pintores marcantes, dá-lhe a sua própria interpretação. Mas todos lhe reconhecem o vigor, a genialidade.

E é por isso que eu sou incapaz de dissecar os “Pescadores de Fosforescências”. Seria uma enorme maldade, para a Autora e para os seus Leitores, tratar esta obra viva como um corpo morto, ensaiando nele uma autópsia subjectiva.

Seria, para além do mais, um acto de enorme arrogância intelectual, pois a apresentação do livro está feita, de forma insuperável, no respectivo prefácio, pela esclarecida pena da também poeta Maria Elisa Ribeiro, que anos antes de tão bem prefaciar este livro, teve ainda maior mérito ao prefaciar a sua obra-prima – que (sem desprimor para todas as outras suas obras) é a Susana Duarte, sua Filha.

Por isso, sobre o livro, direi apenas que os poemas que o enformam não são canónicos, e reflectem, da Autora, a doçura, a sensibilidade, a cultura, a sensualidade.

Não sei como a Susana gera os seus poemas. Ignoro se espera que os impetuosos ventos da madrugada lhe soprem as palavras refulgentes como relâmpagos, ou se serão as mornas brisas da tarde que lhe sussurram as frases macias como veludo.

O que sei é que se trata de poesia que flui como um rio, ora calmo, ora tumultuoso. Que se desnuda sem falsos pudores, tanto como se recata em anseios intuídos.

Os poemas de Susana Duarte não são de diletante amadora da escrita. São, isso sim, de Mulher que se assume como apaixonada amante – da poesia, seguramente, mas também da vida, nas suas múltiplas dimensões.

E esse é um condão raro numa altura em que surgem tantos a auto-intitular-se como poetas, só porque amontoam umas coisas a que chamam poemas, usando as palavras como quem monta móveis do IKEA.

Desafio cada um de vós a fazer um favor a si próprio: peguem nos “Pescadores de Fosforescências.

(Afinal sempre estou a apresentar-vos o livro: é este, aqui, com uma bela capa).

Comecem a lê-lo, tal como eu fiz. Não é para ser devorado, com sofreguidão.

É para ser saboreado, poema a poema, em pequenos goles, como se fosse chocolate quente em noite de Inverno.

Referi, no início, que me encontrei com a poesia de Susana Duarte no Facebook, rede social a que ela aderiu em finais de 2008. Provavelmente ela própria já se não lembrará da data, mas a deformação profissional de jornalista levou-me a investigar. Nesses primeiros tempos, muito pouco escreveu no mural. Mas escreveu sempre coisas interessantes.

Destaco, como exemplo do que lá encontrei, esta citação de Lord Byron: “A amizade é o amor sem asas”.

E destaco-a para dizer que hoje, neste espaço singular, contrariando Byron, a amizade é o amor que voa, graças às asas que os poemas de Susana Duarte vão emprestar a cada um de nós, a todos nós.

Mas a primeira frase que escreveu no mural, a 5 de Novembro de 2008, foi a seguinte: “Waiting for my destiny to find me”.

Uma espera que, seguramente, hoje termina, pois o destino acaba de encontrá-la - pelo menos enquanto poeta de muitos méritos.

Voltando à citação que há pouco fiz do Manuel António Pina:

“Ler poesia é uma forma de fazer poesia".

A ser assim, vamos ter, daqui a pouco, o privilégio de fazer poesia, ouvindo ler alguns dos belíssimos poemas de Susana Duarte.

Nesta capela onde todos nos confessamos crentes na amizade, e depois de cumprida a vossa penitência de me escutarem, vamos então comungar o mágico momento em que estes “Pescadores de Fosforescências” se lançam no mar revolto da opinião pública.

Estou certo de que a pescaria será farta, como Susana Duarte bem merece!



Jorge Castilho



(Centro Cultural “àCapella”, 14 de Dezembro de 2012)




domingo, 23 de fevereiro de 2014

[amanhã]

estou sempre à procura da expressão indizível da noite.
por mais que tente, não encontro, nela, o olhar de ontem,
ou a expressão serena do amanhã. estou sempre sentada
na lâmina fina da folha, fendida como os dedos que tocam 
a escuridão, procurando nela o infinito das coisas.
um dia, bem sei, saberei onde se encontram as palavras,
aquelas que tornarão os dias, de novo, respiráveis,
isentos de procuras, imensos na sofreguidão do toque.

Susana Duarte



triste melancolia do corpo nú

quando amanhecer, não estarás aqui.
serás só a sombra inóspita dos corpos-
amantes de ontem. quando amanhecer,
serás a névoa que antecede a chuva,
e os trigais ceifados dos meus olhos.

na insólita melodia dos corpos-amantes,
ficas apenas enquanto o sol amadurece
as mãos, e os corpos se digladiam 
sob o antecipado adeus. na triste
melancolia do corpo nú, antecedes
a manhã, e as chuvas de maio. quando
amanhecer, o teu corpo será o breve
traço de luz desenhado nos lagos. 

quando amanhecer, procurarei por ti.
quando amanhecer, procurarás por mim.
mas teremos já partido para o lugar 
onde as águas se movem, e o dia
recomeçará em cada um de nós, 
insuspeito, inóspito como o deserto
de estarmos sós. quando amanhecer.

Susana Duarte
Foto: Susana Duarte

sábado, 22 de fevereiro de 2014

[Indeed]


“The best people possess a feeling for beauty, the courage to take risks, the discipline to tell the truth, the capacity for sacrifice. Ironically, their virtues make them vulnerable; they are often wounded, sometimes destroyed.”


Ernest Hemingway

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

i carry your heart...anymore


[i carry your heart with me(i carry it in]

BY e.e.cummings

[Revisto na negativa, por mim]


i [don't] carry your heart with me (i [don't ] carry it in

my heart[any more]) i am never with [out] it (anywhere

i go you [don't] go, my dear;and whatever is done

by only me is [ not any more] your doing, my darling)

i fear

no fate (for you are [not ] my fate [any more] ,my sweet) i want

no world (for beautiful you are [no longer] my world, my true)

and it’s you are whatever a moon has always meant

and whatever a sun will always sing is [not] you [any more]

here is the deepest secret nobody knows

(here is the root of the root and the bud of the bud

and the sky of the sky of a tree called life; which grows

higher than soul can hope or mind can hide)

and this is the wonder that's keeping the stars apart


i [don't] carry your heart [any more]

(i [don't] carry it in my heart)




[sorry, cummings; you're still the best, always)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

[here's something U still don't understand]

"To be great, be whole: don't exaggerate
Or leave out any part of you.
Be complete in each thing. Put all you are
Into the least of your acts.
So too in each lake, with it's lofty life,
The whole moon shines."

Fernando Pessoa
14.2.1933

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

morre-se. mas serão dela os dias inteiros.



morre-se azul sob os escolhos de sal das (des)contruções
de areia. é no lugar das sementes, e dos sóis
verdes dos cabelos, que se morre azul.

com o sal das neblinas dos olhos, morre-se sombrio
ante as ondas submarinas do ventre, e escolhe-se
a vereda estranha dos dias salinos das lágrimas.
é no lugar delas que se morre, palavras
escorridas por entre as águas do peito.
são escuras, as palavras.
são claras, as palavras.

morre-se dentro delas, mar imprevisto de ondas alteradas.
morre-se. navega-se no sal dos cabelos, onde
o futuro é o olhar percorrido pelos dias
de antes.

morre-se. as ausências desmesuradas do sal
dos beijos são a morte silabada
dos dias.

os dias silabados serão sempre teus,
pequenos e intermitentes,
como a morte dos dedos.

mas serão dela, da mulher, os dias escritos com o sal-flor
das mãos inteiras.

susana duarte







foto de ivano4u

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

o poema é o refúgio antigo do esquecimento

o poema é o refúgio antigo
do esquecimento, e a fuga
a partir da qual se encadeiam sonhos
breves e noites azuladas. o poema
é a força gravítica dos seres
e a atração pelo abismo da palavra
nua, a palavra-pedra,
o corpo que se descreve
e, no outro, se inscreve.
o poema é o refúgio antigo
dos sonhos breves, e as palavras
de fogo que nele habitam.
o poema é a língua da terra,
o húmus e o sal,
e os olhos do ventre.


Susana Duarte


De Pedro Chagas Freitas.


SENHORAS E SENHORES: O PRODUTO MAIS DIABÓLICO DA HUMANIDADE


O que mais dói não é – desengana-te – a infelicidade. A infelicidade dói. Magoa. Martiriza. É intensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar. Mas a infelicidade não é o que mais dói. A infelicidade é infeliz – mas não é o que mais dói.

O que mais dói é a subfelicidade. A felicidade mais ou menos, a felicidade que não se faz felicidade, que fica sempre a meio de se ser. A quase felicidade. A subfelicidade não magoa – vai magoando; a subfelicidade não martiriza – vai martirizando. Não é intensa – mas é imensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar – mas em silêncio, em surdina, em anonimato. Como se não fosse. Mas é: a subfelicidade é. A subfelicidade faz-te ficar refém do que tens – mas nem assim te impede de te sentires apeado do que não tens e gostarias de ter. Do que está ali, sempre ali, sempre à mão de semear – e que, mesmo assim, nunca consegues tocar. A subfelicidade é o piso -1 da felicidade. E não há elevador algum que te leve a subir de piso. Tens de ser tu a pegar nas tuas perninhas e a subir as escadas. Anda daí.


Sair da subfelicidade é um drama. Um pesadelo. Sair da subfelicidade é mais difícil do que sair da infelicidade. Para sair da infelicidade, toda a gente sabe – tu mesmo o sabes: tens de tomar medidas drásticas. Medidas radicais. Porque a infelicidade é, também ela, radical. Mas sair da subfelicidade é uma batalha interior muito mais dolorosa. Desde logo, porque não sabes se queres, mesmo, sair da subfelicidade. Porque é na subfelicidade que consegues ter a certeza de que evitas a desilusão – terás, no máximo, a subdesilusão; porque é na subfelicidade que consegues ter a certeza de que evitas a perda – terás, no máximo, a subperda. Estás a ficar perdido com o que te digo?




A subfelicidade é o produto mais diabólico que a humanidade criou. Formatado pela consciência, o homem assimilou um conceito que, na verdade, não existe: o da felicidade segura. Espero que estejas bem seguro nessa cadeira quando leres o que aí vem no próximo parágrafo.




A felicidade segura não existe. A felicidade segura é segura, sim – mas não é felicidade. A felicidade pacífica é pacífica, sim – mas não é felicidade. A felicidade, quando é felicidade, assolapa, euforiza, arrebata. E não deixa respirar, e não deixa sequer pensar. A felicidade, quando é felicidade, é só felicidade. E tudo o que existe, quando existe felicidade, é a felicidade. Só ela e tu. Ela em ti. Ela em todo o tu. A felicidade, para ser felicidade, não tem estratos, não tem razão. Ou é ou não é. A felicidade é animal, de facto – mas é ainda mais demencial. Deixa-te louco de felicidade, maluco de alegria, passado dos cornos. Só quando estás dentro da felicidade é que estás fora de ti. Liberto do corpo, da matéria, da sensação – e imerso naquela indizível comunhão. Tu e a felicidade. Já a sentiste, não?




Não há como dizer de outra maneira: se estás acomodado à subfelicidade, se tens medo de ser feliz e preferes a certeza de seres subfeliz: és um triste de todo o tamanho. A subfelicidade é uma tristeza. Uma tristeza de hábitos, de rotinas, de sorrisos – uma tristeza que inibe a surpresa, o imprevisível, a gargalhada. Uma tristeza que te faz refém do que fazes e te impede de te seres o que és. Olha em redor: a toda a volta há pessoas subfelizes, pessoas que dizem “vai-se andando”, pessoas que dizem “tem de ser”, pessoas que dizem “eu até gosto dele”, pessoas que dizem “sou feliz” com os olhos cheios de “queria ser feliz”, pessoas que dizem “é a vida”. Mas não é. A vida não é a quase felicidade. A vida não é a subfelicidade. E, se é a primeira vez que vês isso, fica entendido o que sentes. Ou subentendido, pelo menos.




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in "Eu Sou Deus", de Pedro Chagas Freitas





 metade de mim é silêncio. onde o silêncio habita as margens das veias, habita igualmente o mar tempestuoso  dos meus pensamentos. metade de...