segunda-feira, 31 de outubro de 2022

 esgotei os poemas

onde as veias dilatam

a indefinição das paixões.


viva, estranha, escrita 

e interdita, corre a palavra

nos pulmões, alojando-se

nos interstícios 


de corpos estranhos,

cadavre exquis de si mesmos.


os poemas salvam 

a pele, onde esta se desfaz

e refaz no corpo

dos dias.


Susana Duarte

2020

sábado, 22 de outubro de 2022

 abro ao porta ao silêncio

como se as palavras suspensas

fossem âncora, navegação à vista

ou salvação


sabes que não há paredes 

onde impera a solidão dos pássaros


nem cães a ladrar nas ruas


olho a chuva que cai e desnudo 

o silencioso piar de pensamentos ocultos


só a chuva, e o silêncio,

sabem das estradas que percorri, e da vontade

submersa de voar


Susana Duarte

Hoje


quinta-feira, 20 de outubro de 2022

 quero de ti um poema de osso

e de asas, de rémiges 

escritas nos dedos


e de navegação da pele

sobre as mágoas antigas.


do voo, nada digas:


sobrevoa as costas 

das memórias, e transforma 

o poema na escrita da carne.


Susana Duarte


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

 faço-me voz da tua voz


como se abraçasse,  inerte,

a tua presença


dela ficou apenas o silêncio

nublado com que descreveste

círculos


num pescoço nú.


Susana Duarte

2020

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

 aconchego o silêncio onde renovo

as palavras adormecidas. encontro-o

nas ausências, e sou sombra das intenções.


aconchego o teu silêncio onde permaneces

quimera, estátua de sal ou ave derramada.

onde a morte desassossega os vivos,

sou quem não quis ser, e de ti, não sei.


encontro o silêncio cartografado na pele,

onde nada escreves,e onde vivem

as linhas vorazes de um vôo anterior à vida.


escrevo vozes. no lugar da vida,

eis a ausência das palavras.


Susana Duarte

terça-feira, 4 de outubro de 2022

 adormeço as palavras 

sobre a lua indigente,


sôfrega de céus e de lavras.


durmo eu, sobre as noites de outrora,

inventando palavras de noite

e de espanto 


-onde a lua cai sobre mim

e me invento barro, distância

e canto.


sou um esquisso,

noite inacabada, movimento de águas

revoltas sob uma lua ao mesmo tempo tudo,

ao mesmo tempo nada,


tão indigente quanto os gatos 

na estrada,


ou as mulheres desertas.


Susana Duarte

domingo, 2 de outubro de 2022

 há um destino em cada palavra:


evidenciado pelas manhãs rubras

das vozes antigas,


encerra uma novena,

uma prece dirigida aos cadavres-exquis

que povoam a mente lúcida.


houvesse apenas desconhecimento,

e o riso sobressaltaria a noite.


há um destino em cada palavra,

e nenhuma me conduz a ti.


Susana Duarte


sábado, 1 de outubro de 2022

 trago o silêncio nas veias,

como uma veste antiga


sobre o lado do avesso 

dos ossos.


visto-o,  tão sagrado 

como outra veste qualquer,

como outro corpo qualquer.


espelho os lugares

onde o sangue se demora


e pergunto quem sou.


Susana Duarte

 metade de mim é silêncio. onde o silêncio habita as margens das veias, habita igualmente o mar tempestuoso  dos meus pensamentos. metade de...