faço-me voz da tua voz
como se abraçasse, inerte,
a tua presença
dela ficou apenas o silêncio
nublado com que descreveste
círculos
num pescoço nú.
Susana Duarte
2020
nada te resta, senão olhar-me de longe. sabes que habito outro plano, o do dia e da luz com que prossigo, todavia, sobre as flores submarinas. nada te resta, senão as lágrimas e o arrependimento. talvez possas ressurgir, noutras vestes, noutros seixos. mas serás sempre a sombra, a vida incompleta que se declina nos lugares que já não procuro.
aconchego o silêncio onde renovo
as palavras adormecidas. encontro-o
nas ausências, e sou sombra das intenções.
aconchego o teu silêncio onde permaneces
quimera, estátua de sal ou ave derramada.
onde a morte desassossega os vivos,
sou quem não quis ser, e de ti, não sei.
encontro o silêncio cartografado na pele,
onde nada escreves,e onde vivem
as linhas vorazes de um vôo anterior à vida.
escrevo vozes. no lugar da vida,
eis a ausência das palavras.
Susana Duarte
adormeço as palavras
sobre a lua indigente,
sôfrega de céus e de lavras.
durmo eu, sobre as noites de outrora,
inventando palavras de noite
e de espanto
-onde a lua cai sobre mim
e me invento barro, distância
e canto.
sou um esquisso,
noite inacabada, movimento de águas
revoltas sob uma lua ao mesmo tempo tudo,
ao mesmo tempo nada,
tão indigente quanto os gatos
na estrada,
ou as mulheres desertas.
Susana Duarte
Melancolia
(ouvindo “Possibility” – Lykke Li)
a melancolia das nuvens transforma (se), mulher-peito-ventre obscuro de rosas,
renascendo ela ( a mulher) das implausíveis
expectativas: as que residem nas estrelas,
e mais não são do que sonhos antigos das feiticeiras. a melancolia das mulheres
é a transformação do ventre do mundo, a morfologia das dores e dos momentos,
parto irresoluto dos amores das aves nos beirais de casas desabitadas.
as rochas
são as estrelas transformadas na dor da partida. e da sabedoria da razão: o adeus aos sonhos.
Susana Duarte
bastar-me-ia o mar,
se soubesses onde estou: ave perdida
no sargaço
-talvez ave, talvez alga, talvez asa
apodrecida por sobre a orla costeira-
talvez saibas onde reside a pluma solta,
a nave desmaiada, ou a areia adormecida
sobre o meu ventre nú
-nao saberás, nunca, da dor do silêncio
em que pronuncio o teu nome, tão indizível
como o futuro esmaecido e o ar rarefeito
em que me movo.
Susana Duarte
06/08/2025 em crescendo, soluçam em mim dias e noites vazias onde, dantes, caminhava ao teu lado. queria tanto ver-te em sonhos. queria tan...