segunda-feira, 17 de outubro de 2022

 faço-me voz da tua voz


como se abraçasse,  inerte,

a tua presença


dela ficou apenas o silêncio

nublado com que descreveste

círculos


num pescoço nú.


Susana Duarte

2020

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

 aconchego o silêncio onde renovo

as palavras adormecidas. encontro-o

nas ausências, e sou sombra das intenções.


aconchego o teu silêncio onde permaneces

quimera, estátua de sal ou ave derramada.

onde a morte desassossega os vivos,

sou quem não quis ser, e de ti, não sei.


encontro o silêncio cartografado na pele,

onde nada escreves,e onde vivem

as linhas vorazes de um vôo anterior à vida.


escrevo vozes. no lugar da vida,

eis a ausência das palavras.


Susana Duarte

terça-feira, 4 de outubro de 2022

 adormeço as palavras 

sobre a lua indigente,


sôfrega de céus e de lavras.


durmo eu, sobre as noites de outrora,

inventando palavras de noite

e de espanto 


-onde a lua cai sobre mim

e me invento barro, distância

e canto.


sou um esquisso,

noite inacabada, movimento de águas

revoltas sob uma lua ao mesmo tempo tudo,

ao mesmo tempo nada,


tão indigente quanto os gatos 

na estrada,


ou as mulheres desertas.


Susana Duarte

domingo, 2 de outubro de 2022

 há um destino em cada palavra:


evidenciado pelas manhãs rubras

das vozes antigas,


encerra uma novena,

uma prece dirigida aos cadavres-exquis

que povoam a mente lúcida.


houvesse apenas desconhecimento,

e o riso sobressaltaria a noite.


há um destino em cada palavra,

e nenhuma me conduz a ti.


Susana Duarte


sábado, 1 de outubro de 2022

 trago o silêncio nas veias,

como uma veste antiga


sobre o lado do avesso 

dos ossos.


visto-o,  tão sagrado 

como outra veste qualquer,

como outro corpo qualquer.


espelho os lugares

onde o sangue se demora


e pergunto quem sou.


Susana Duarte

sábado, 24 de setembro de 2022

 Melancolia 

(ouvindo “Possibility” – Lykke Li)


a melancolia das nuvens           transforma (se),                   mulher-peito-ventre obscuro                 de rosas,

renascendo ela ( a mulher)      das implausíveis


expectativas:          as que residem nas estrelas,

e mais não são             do que sonhos antigos              das feiticeiras.        a melancolia das mulheres

é a transformação do ventre do mundo,                   a morfologia das dores        e dos momentos,

           parto irresoluto dos amores das aves nos beirais de casas desabitadas.  


                         as rochas

são as estrelas transformadas na dor da partida.   e da sabedoria da razão: o adeus aos sonhos.  


Susana Duarte


domingo, 4 de setembro de 2022

 bastar-me-ia o mar,

se soubesses onde estou: ave perdida 

no sargaço


-talvez ave, talvez alga, talvez asa

             apodrecida por sobre a orla costeira-


talvez saibas onde reside a pluma solta,

a nave desmaiada, ou a areia adormecida

sobre o meu ventre nú


-nao saberás, nunca, da dor do silêncio

       em que pronuncio o teu nome, tão indizível

como o futuro esmaecido e o ar rarefeito


       em que me movo.


Susana Duarte


 06/08/2025 em crescendo, soluçam em mim dias e noites vazias onde, dantes, caminhava ao teu lado. queria tanto ver-te em sonhos. queria tan...