SOU
Eu sou
aquela que te olha e te vê, que te olha nos
olhos claros e sabe das flores da noite e dos filmes de Jeunet. Eu sou aquela que
acaricia os dedos das tuas asas e as asas dos teus olhos e
as lágrimas do orvalho que me cai do corpo quando a maré me enche e, em ti,
cai, absoluta
como uma maré enluarada e violenta. Eu sou aquela que, do alto das
neves, sorri perante as asas da águia que voa e plana e rasa no céu dos
teus olhos serenos e belos, eternos como os
Noturnos de Chopin. Eu sou aquela que te perfuma de flores de maçã. Olho-te
nos olhos da fruta e pergunto às mulheres que passam se apenas de
sonho me vesti. Foi nos teus olhos que me vi. Foi na
espiral que descias que, a ti, me juntei. Eu sou aquela que se perde nos
labirintos, onde todavia me achei. Onde nasci
lua prateada perdida escancarada de desejo de
ser Cheia. Eu sou a tua candeia. E a noite onde te escondes. E a voz com que respondes e
me olhas na solidão das estrelas que, de tão belas, me tolhem da escuridão e
levam a fazer a viagem. És em mim a
ramagem de auroras desfolhadas e
sonhadas e escritas num poema, concreto e táctil, onde sou em ti e és em mim. Loucura
de amor. Loucura de prata escrita numa mata e
nos olhos de um gato que se cruza no branco luar da noite. Loucura
das fadas que nos jogam sobre as asas os pós de uma magia
que, de rosas, se tingiu.
Eu sou
aquela que te olha e te vê, como os mirtilos
das noites de Kar Wai Wong.
Como os
mirtilos e deixo-te olhar-me. Mordo-os, sujo-me com eles, e sou
feliz de azul-mirtilo-engolido
numa noite onde me olhas e deixas estar assim, sentada, sobre um sonho
de uma noite
onde uma jovem adormeceu sobre o balcão de um café. E foi beijada. Queria
ser beijada agora, ainda que fosse uma amora que me tingisse
os lábios.
Eu sou aquela
que te olha do alto de uma colina e
te vê percorrer o rio com os dedos cobertos de sonhos,
tremendo sob o manto dos medos dos enganos e das feiticeiras. Eu sou
anjo e sou diabo.
Sou mulher em forma de cravo.
Sou aquela que te sabe os recantos de um dedo, que amo mais do que o
dia. Morreria nesse dedo
e nos toques de um
violino que me anima a pele. Eu sou aquela que te olha e te sabe.
Transparente, como um filme de Jeunet.
Daria a pele para te estar ao pé.
"Pescadores de Fosforescências"
Alphabetum Edições Literárias
Dezembro 2012
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