domingo, 13 de dezembro de 2020

Dissonâncias

 construída pelas dissonâncias,

onde me sento só
e navego ondas 
de nada,

 

sou a antítese,

 

a matéria intrínseca do silêncio,
e as noites do nada onde me sento 

 

e sou.

 



 

Susana Duarte

sábado, 12 de dezembro de 2020

Desencontros










 

 as manhãs dos desencontros 
são as mesmas das expectativas:
suaves rugas da existência
ou vôos rasgados na névoa
branca de uma manhã

inesperada

como as nozes e o vinho
com que derretemos a noite 
gélida e falamos a uma só voz.

Susana Duarte

domingo, 29 de novembro de 2020

Há um nome


 há um nome 

para todas as coisas.

há um nome para os voos errantes,

e para as aves trepadoras,

e para as mulheres aladas.


há um nome

para as ondas sobressaltadas,

e para as névoas. há um nome

para as coisas cujo nome

não creio saber, e para ti.


tu, cujo nome não pronuncio, 

existes, todavia, onde as marés 

alcançam a solenidade do sol,

derrotando as angústias calcificadas 


nas vertentes incorpóreas

das palavras [e dos nomes

que não ouso dizer].


Susana Duarte

sábado, 7 de novembro de 2020


a asa pesa, no vôo

disperso

da ave esmaecida,



sempre que a fractura

da plúmula é superior

à elevação da mente.



a disforia dos olhos
desmente a flor branca

da expectativa:

 

delirante o poema,
obtusa a pele

[fracturada a alma]



Susana Duarte



os dedos percorrem sílabas
onde o verbo, exilado,
anuncia o tempo


e o tempo, silente,
revê nervuras
e as mãos.


são folhas de romã, os dias,
e palavras perdidas
onde o tempo se esgota.


nunca mais os dias de verão
serão as searas douradas de antigamente.
o restolhar das folhas,
e a palavra


decadente
perdem os sentidos,
onde o verbo descreve as curvas
e a idade amontoa frases
e ilumina memórias.


Susana Duarte

sábado, 3 de outubro de 2020

Procura

 procuro-te nos lugares 

improváveis, sossegando 

o olhar nos gatos da rua,


tão improváveis como as aves;

tão céleres como as noites 

ávidas;


tão estranhos como nós.


Susana Duarte

domingo, 6 de setembro de 2020

Prometo-te um poema

 prometo-te um poema

de silêncio e navegação,


uma onda lenta na pele,

o mar, a saudação


leve do dedo sobre a boca


e a neve que se desfaz nas costas

desabitadas.


Susana Duarte


domingo, 2 de agosto de 2020



espero por ti, 

como se espera por um fantasma,

e caminho na noite 

como se as esquinas me devolvessem 

o sorriso de outrora.




espero pelo teu regresso

e não alcanço senão o dedo esticado

(por mim) a oriente.




não sei onde moram os beijos

prometidos, ou a sensação latente

do teu regresso. partiram contigo




e, todavia, espero ainda pelas mãos,

as tuas, 

pelo toque das palavras,




e pelos dias da mansidão clara

das quimeras.




espero, ainda, que tragas contigo

a suavidade das maçãs rubras

do desenho dos corpos,




a metafísica das águas,

e a iluminada crença

na paixão com que delimitas




os meus passos, me cerceias 

as asas

e destróis os beijos.




melhor seria ver-te desfazer

os espectros com que me rodeias

e dar lugar ao vôo largo

de outras chegadas.




Susana Duarte




sexta-feira, 29 de maio de 2020



perdeu-se a poesia
nos passos descalços
da tua ida para o oriente


-salvando-se, todavia,
as asas do nome 


que não digo.


apesar das palavras,
a noite foi a feiticeira 
possível das águas do rio


-o mesmo que me resgatou
para, de seguida,
me afundar


onde me olhas.


(iça-me)

Susana Duarte

quarta-feira, 6 de maio de 2020

vou com o vento



vou com o vento.


sobrevoo as águas 
lamacentas
e os sonhos,


destapando as asas
com que me escondo 
das aves


e resgato a noite
oculta nos olhos


vou contigo, 
deixando para trás as fontes
frescas onde as asas

amainaram o voo.


vou com o vento-
a água desfaz as névoas
e as asas são algaço


sobre os ombros
onde surge a aurora


Susana Duarte

segunda-feira, 30 de março de 2020


és translúcido, 
uma fina camada de nada 
sobre a pele.

vives entre a pele e a dor,
navegando o suor
e as noites desenhadas
sobre os dedos, ou
sob a camada fina da alma.

és translúcido,
e deixas desertos de nada
onde outrora pousou
uma borboleta.

a impossibilidade é um oceano
de espuma e algaço,
debicado por uma gaivota
sem uma asa.

Susana Duarte
30/03/2019



domingo, 8 de março de 2020



o poema desorganiza-se,
observando o voo das aves trémulas.

é um poema-ave, o que se fractura
nas encostas das manhãs
seguras.


Susana Duarte

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020




há um poema que não foi escrito,
e uma flor por nascer

entre mil olhos sem palavras,
o rosto ambíguo da vida
devolve os sentidos

e as palavras sem eco

ficam, então, por dizer, os rostos
dos amantes e os dedos
das mulheres- tão ambíguas
como a vida cujo rosto
escreve poemas



Susana Duarte


 metade de mim é silêncio. onde o silêncio habita as margens das veias, habita igualmente o mar tempestuoso  dos meus pensamentos. metade de...