domingo, 28 de agosto de 2011

Veias

.apetecia-me rasgar as veias
com que desenho as asas,
com que arrisco o voo,
com que derrubaria
ameias.
.apetecia-me rasgar as veias
com que desenho casas,
com que invento azuis
nos arabescos
da alma.

Susana Duarte

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

.ama-me.





.ama-me.
.ama-me como se fosse fácil.
.ama-me como se fosse o caminho
do dia, iluminado pela fresca luz da manhã.

.ama-me.
.como se o dia se tranformasse
e o caminho se fizesse com asas soltas
e as flores cantassem litanias de um amanhã.

.ama-me.
.como se a noite que me habita,
fosse apenas a voz de um corvo que foge no voo
e se esconde atrás das nuvens chorosas da tempestade.

...pois a tempestade que me habita
é a noite do fogo e da asa sem cor.
.e a viagem que faço é oração e dor.
.e é de amor que o coração crepita.

.ama-me.
.ama-me como se fosse fácil.

Susana Duarte

Baía

na baía, encontrei uma concha
e os olhos da lua, num pôr do sol distinto e
inscrito na maré baixa, onde deixei um pé preso nas algas
e me tornei o sonho de uma sereia que, na praia, criou pés e,
distraída,caminhou em eternos sonhos de orvalho, recitados num teatro
onde a luminosidade estranha da noite a deixou perdida nos recantos do mar.

tornei-me navegante dessa concha,
consciente do tempo passado e futuro, que pinto e
habito, como se uma tela me deixasse eternizada no mar que salgas
e transformas em chuva pálida na manhã serena. Somos nós, nas marés,
que criamos cenas da vida que escorre na areia e deixa marcas de pegadas
nos locais onde somos, em cada luar, seres mágicos e indistintos. Navegar.......


Navegar é o sonho cavalgado pela lua cheia numa onda que não há. Mar.


Susana Duarte


terça-feira, 23 de agosto de 2011

LEXEMA





Vou renascer na foz de um poema,
e dá-lo à noite, para que me reconheça.
Nessa foz, estranha e larga, onde o rio se insinua
no altivo mar, serei a vaga lenta que me torna nua
e, sem estrelas, sem lua, sem que lhe peça,
sei que a foz me fará palavra. Lexema.

Onde o único significado do meu nome
é ele próprio, nada mais. Onde a fome
de Ser eternidade, é apenas o devaneio
de, um dia, ter sido aquilo em que creio.

(Susana Duarte)

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Nuvens-Eros


morde os braços,
na ausência das nuvens
onde Eros e Psyché deram as mãos.

no silêncio da altura vislumbrada,
na raiz das virtudes e de todos os embaraços,
eis a noite sonhada dos abraços
e dos corações descobertos
_________________

em céus encobertos
onde as nuvens
apenas
iludem.

Susana Duarte

domingo, 14 de agosto de 2011


Voo.
Voo.



Vou?
Vou mas....oh..
sem asas e sem céu,
sigo o caminho

(que não sei se é meu).

Habito uma ave de asas
incertas
em praias noturnas,
em praias desertas.

Habito a montanha
onde o cume de neve
me esconde o voo
e não torna leve

(a peregrinação).

Ave estranha
de sons incompletos
nascida na noite
de vários desertos,
habito uma casa
de flores guardadas
e telhas içadas
que me tapam a nudez
de não saber

para onde voo.

(Susana Duarte)


haveria.


haveria flores no chão que piso,
se a cada passo florisse a ousadia
de ir um pouco mais alem. o riso,
e o pão de mel que espera à janela,
e na janela me detem. haveria
sorrisos nas estrelas que vejo,
se soubesse o sabor desse beijo
que me olha a partir da nudez
da noite. e a lucidez seria despida,
e a vida, mais vivida, se ousasse
olhar as telhas e levantar do chão
as coisas velhas que me agarram
a um bau, no sotão de uma estoria.
e o vermelho de uma cereja rubra
que desfiei com dentes na noite,
seria o vermelho de um poema
desfiado, candeio que ilumina
a noite dos pescadores e das sereias.
haveria flores no chão que piso,
se as estrelas me sorrissem, e vissem
em cada grito, o uivo e o lamento
das alcateias irmanadas que ululam
a gloria e a força da caçada. haveria.

haveria gritos nas mares e ondas sibilantes.
e gatos nas esquinas onde procuro a sombra
de poetas distantes. haveria um sol em cada
lua, e uma ave nova,azul e alada, na rua.

Susana Duarte



loucura





a noite choveu lágrimas de uma aurora madura,
madrugada de saberes de uma ladainha obscura
em que o canto e a voz são a torre de menagem
onde escondi o brilho da areia e da plumagem....
fiquei presa nas lágrimas da noite e do castelo
sem dono, e deixei lá os meus cabelos invadidos
pelo outono das incertezas. queria ser tudo, e não
serei mais do que as possibilidades do coração...
que se entoa num carme cantado na noite da ilusão.
pensava que tinha dentro as canções e a ternura.
no fim, talvez, afinal, germine a semente da loucura.

Susana Duarte

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Luz

.luz.
.nasce da noite dos teus olhos e expande-se sobre o mundo.
.luz azul que se debulha num milheiral onde, antes, reluzia
o doirado milho. luz que deambula nas margens de um rio,
procurando o caminho onde os abismos são apenas o piar
de uma ave pequenina que reluz na noite...e o rio desagua
na foz de uma clave de sol, onde sei que vive uma paixão.

Susana Duarte

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

lágrima

Uma lágrima habita os poros da noite.

(Os poros da noite são lágrimas espalhadas).

A noite é uma sereia alada que pernoita na lua.

(A lua habita a lágrima e deixa pó de estrelas nos seios).


A noite anseia cabelos e vozes e carícias e sons ciciados e músicas.
As músicas são joelhos tocados pelas estrelas cadentes e entremeios
de rendas feitas por mãos que esperam e segredam ladaínhas na rua.


A noite anseia árvores que se agitam ao vento, e cantam segredos
de amantes esquecidos. As lágrimas são seios de desejos erguidos.


É de noite que a lágrima se desfaz em pó,
como se a mulher que a chora estivesse nua.



Susana Duarte

terça-feira, 2 de agosto de 2011

mar no poema






.poderia escrever,
ecoando nas notas a pena
que escreve palavras tristes e sós.



.poderia fazer da noite
um mistério pequenino, onde habita
a palavra que sonho nas asas e nelas escreve: "nós".



.poderia escrever,
ecoando nas ruas desertas,
a palavra que me deste e me habita.



.poderia sonhar ternuras,
calor de noites que deixam de ser escuras
e onde a flor da manhã é a flor que me reabre e agita.



.poderei, um dia... dizer, dos sons dos poemas,
que são ondas do mar onde me tornei sereia.

Susana Duarte

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

eu-em-ti

.queria ser vôo e ser horizonte.
.numa praia deserta, ser a vida e a fonte
que te deixa ser asa e remo, nave e mar navegado,
fruta morena em terreno desbravado, onde se verte a lua
e navega a noite, ao som de um violoncelo-mulher-despida-de si.
.encontrar-me no horizonte onde os olhos são estrela do norte, e sou eu-em-ti.



Susana Duarte

 metade de mim é silêncio. onde o silêncio habita as margens das veias, habita igualmente o mar tempestuoso  dos meus pensamentos. metade de...