terça-feira, 31 de dezembro de 2013

mulher,


dançarás, mulher, uma dança
feita de corpos desejantes,
metáforas dançantes
e feitiçaria.

dançarás, mulher,
sobre os escombros da paixão,
corpos-metáfora
da solidão.

dançarás, feiticeira,
onde os corpos são nada,
e o nada são luzes
ou gárgulas de rocha
levantadas sobre os corpos.

dançarás, mulher,
a dança luzente de estarmos

sós.
susana duarte




Coimbra...

(...)

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

De Manuel Adriano Rodrigues (Blog Sip of Glory)



faz hoje mais um poema desde que partiste










ah! misère de t'aimer, mon frêle amour
qui vas respirant comme on respire um jour!
(Paul Verlaine)

sim, doutor
é verdade que estou doente
mas esta dor não pertence ao âmbito do sistema nacional de saúde

sofro de silêncios, ausências
e vendavais interiores
e também tenho um coração onde falta alguma coisa

que não lhe sei explicar

desculpe-me vir aqui dizer-lhe estas coisas
tão pequenas
que provavelmente só farão sentido na poesia

já falei com o kant e com o hegel
e disseram-me que tenho de me comportar como a maioria
e usar a cabeça em vez do coração

fui deixado pelo amor, sr. doutor
e agora já não acredito na existência da lua


(mar) 24/07/13

domingo, 29 de dezembro de 2013

Coimbra, hoje



Coimbra acordou azul, líquida, bela na sua majestade, ditada pelo rumor milenar das vestes das tricanas, e das freiras, e das damas da corte. Coimbra adormecerá assim, solene na sombra das ruas que se derramam por sobre, e por entre, as gotas de água do seu rio. Coimbra acordou assim, e assim adormecerá, serena e bela, embalando os sonhos dos dias que, sobre todos nós, acordam os verbos todos de todas as nossas existências.

Susana Duarte

sábado, 28 de dezembro de 2013

De João Rasteiro

.
Viveremos nas regiões dos lábios selvagens
para colher a sílaba e os lábios selvagens,
para arvorar corpos de brutais lábios selvagens
que possuem estranhas línguas cor de tília.
*
Viveremos na região onde aspergimos
a desmesura da totalitária voz do mundo.
*
Pensar nos vocábulos agâmicos e não em Deus
não inculpa o desejo de estar vivo ou morto.
*
Viveremos na região dos opulentos delírios,
“só deus não chega e o outro sobeja”. Alfabetos.
.
[João Rasteiro - In, Eu cantarei um dia da tristeza]

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

De José Luís Peixoto






"Io credevo davvero che l'amore é il sangue del sole dentro il sole.L'innocenza ripetuta mille volte nella voglia sincera di desiderare che il cielo capisca. Io credevo che si alzano tempeste fargili e delicate nel respiro vegetale dell'amore. Come una pianta che cresce dalla terra. L'amore é la luce del sole, bevendo la dolce voce di quella pianta. Qualcosa dentro un'altra cosa profonda. Io credevo che l'amore é il senso di tutte le parole impossibili".


José Luís Peixoto, tradução minha


nascerão, um dia, aves, nas margens serenas dos lábios.

não nascem poemas, nas terras
submersas pelo vento das águas fundas
da noite. não nascem lexemas graves, das imediações
do peito, quando o peito é prado de papoilas
verdes. nascerão, um dia, aves, nas
margens serenas dos lábios.
não nascem poemas,
se das águas dos lábios florescem
apenas sombras. nascerão, porventura,
de um leito de suaves flores azuis, voadoras,
miosótis dos nossos dedos. nascerão, qual onda esmeralda,
se dos dedos surgirem luas, e anéis de luz,
e corais, e pétalas navegadas
pelas doces margens do
coração. voa,
sobre as palavras,
a borboleta nascida dos prados.
voa, sobre o poema por nascer, a luz
ténue das manhãs em que somos névoas,
gotas de humidade breve sobre as folhas, pétalas
luzentes sobre os dedos de todos os segredos.

Susana Duarte

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

De Manuel Branco..."Desculpa a impertinência:não me consigo esquecer de ti."

ENCONTRO

Vem ter comigo à bruma da manhã.Entremos no claro das árvores e no espanto meticuloso do dia,que nos inicia a luz só para melhor nos encontrar uma vereda amável.Podes mesmo dar-me a mão,sozinho perco-me na penumbra dos sonhos,no ritmo imperioso do possível.Como dizer da saudade sem que o mundo note,talvez apenas mostrando-te a cicatriz do trilho silencioso das lágrimas no rosto.Tocaste o meu sonho ao passares por aqui,deixando uma luminosa tatuagem.Sabes,às vezes escrevo-te.Há em tudo um alvoroço,um querer,e o lápis arranha o papel como te farei quando cresceres na ponta ansiosa dos meus dedos.As minhas mãos esperam-te,na bruma.Desculpa a impertinência:não me consigo esquecer de ti.Ainda se não tivesses o olhar fundo com que me miras,talvez eu pudesse olhar para outro lado.Mas enquanto tiver esta saudade de te beijar a toda a hora,como poderei afastar um diamante para me distrair com pedras simples?A minha cidade podes ser tu,as minhas ruas e veredas são o teu sorriso,num amor de trato difícil.Ciúme longo,abraços,muita maresia.Mas amanhã,sempre,agora,quente ternura à flor da pele.E dos ossos.Como se me nascesse uma pequena macieira rente ao coração,acaricio um sonho.As flores que nascem na minha boca,trazem o teu aroma ,entre beijos e sonho.Tenho-te apenas a ti e tenho tudo.Todo eu sou saudade,num corpo de ternura.Só isto,na bruma da manhã.

manuel branco

sábado, 21 de dezembro de 2013

deita-te a meu lado, e fala-me da transcendência.

deita-te a meu lado,
e fala-me da transcendência. diz-me
onde residem

 os poemas, e revela-me a luz de outrora.

deita-te nos meus braços,
e fala-me da saudade. diz-me onde
reside a sede, e a fome, e a vontade de ser abraço, poema
inscrito num braço, que me prende e segura. conta-me dos dias sonoros,
e da velocidade dos movimentos dos dedos, quando, maravilhados,
inscreveram em si próprios o poema. deita-te a meu lado,
e reencontra, no corpo que se arqueia,
as palavras que procuras.

e fica. fica a meu lado,
e revela-me as ondas da paixão,
e os olhares que desnudam, e a alegria
de se ser onde o poema se inscreve na carne.

deita-te a meu lado,
e fala-me da transcendência.

susana duarte

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

esta noite, a palavra: 
a palavra, a salvação, 
um eco suado, uma noite
inscrita nos óvulos fecundos do poema. 

esta noite, a palavra, 
os dias todos, a inquirição 
às estrelas, a palavra.

a palavra, ventre nú 
e mágoa, os dias todos,
todos os dias, os jardins 
e as cores e a polinização do peito,
nú, inscrito no mar, e nas flores, 
e na noite estranha, 
anéis de saturno, 
luas novas de sermos paixão, 
sofridas as palavras, 
maravilhadas as suaves pestanas 
da transcendência 
do coração das luas.

esta noite, a palavra.


susana duarte


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

pensava saber onde viviam as flores

sabia onde vivia o amor, quando o amor sabia a cerejas bravas
no coração dos dedos. habitava uma casa azul, telhas aladas
contra o céu e os cirros das imagens que trazia nos olhos.
sabia onde vivia o amor, quando as nuvens sabiam voar
e me deixavas ir até onde as cerejas bravas coloriam
imagens de rubra paixão; nesses dias, as ondas
dos cílios desenhavam contrabaixos na pele
de todos os silêncios. pensava saber
onde viviam as flores, e o vermelho
do fogo por extinguir com os
lábios. sobram as vertentes
úmbrias da memória
das mãos sobre
as rubras
cerejas.


susana duarte


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

imagem:tu

o sonho fez-se, de luz e beijos,                                            claros que eram os desejos,
luminosa que era a noite fria onde dormiam                 os braços e as carícias e as mãos 
e as delícias                   dos abraços.                interrompidos, intempestivos, rarefeitos,
quando o amor se construía               apenas             com as vozes,              os abraços
fizeram-se carne,                  em sonhos            etéreos; em imagens  e em sóis de antes.

não passou de um sonho.                  nada foi, senão a antevisão das nozes      do corpo
que as luzes    não tornaram real.                      obstinado,          ficaste aí. onde as mãos
nada são.               não serão nada,      senão a miragem.    uma foto.    uma imagem.  tu.


susana duarte.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

se quisesses

escrevo-te sobre os poros___________e sob a pele,
enquanto me habitas as sombras____e os recantos
luminosos____________________de noites antigas 

são antigas as ruas onde passámos_________vidas
inteiras, abertas, marinheiras_____do infinito luzente
______________que nos habita o centro do corpo e
o centro_______da vida, e o centro dos olhos_____

serias a águia e o grito______a água e o parto____
se, querendo, me quisesses._____se, querendo, me
_______amasses as terras longínquas de onde sou.

serias, se quisesses, as asas todas do meu corpo.

susana duarte
poema e foto




sábado, 7 de dezembro de 2013

Don't know why - Norah Jones







Album Come away with me (2002)




Don't know why - Norah Jones




I waited 'til I saw the sun

I don't know why I didn't come

I left you by the house of fun

I don't know why I didn't come

I don't know why I didn't come




When I saw the break of day

I wished that I could fly away

Instead of kneeling in the sand

Catching teardrops in my hand




My heart is drenched in wine

But you'll be on my mind

Forever




Out across the endless sea

I would die in ecstasy

But I'll be a bag of bones

Driving down the road along




My heart is drenched in wine

But you'll be on my mind

Forever




Something has to make you run

I don't know why I didn't come

I feel as empty as a drum

I don't know why I didn't come

I don't know why I didn't come

I don't know why I didn't come

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

no negro dos lábios, a vida



no negro dos lábios, a vida
toda. na boca dos cabelos, 
a imensidão das noites. 
sem querer, conto as auroras
perdidas de quem sou.

na leitura das linhas, perdida
foi a boca. o que se excede
não é nada. apenas a sombra:
ave sem rectrizes. onda. eu.

Susana Duarte

domingo, 1 de dezembro de 2013



as folhas caem sobre o ventre das memórias
e nascem do esquecimento do verão, e das ondas azuis do meu cabelo.
esqueceste-te das mãos. sobre elas, as ondas azuis,
(e depois de todas as névoas),
foste habitar os tempos e os lugares das lendas
dos marinheiros romanos.

onde quer que te saibas, navega seguro.
fico com as folhas, e com as ondas outras de ser apenas a folha caída
sob pés outrora seguros.


I'm missing my own directions...



Where to?

 metade de mim é silêncio. onde o silêncio habita as margens das veias, habita igualmente o mar tempestuoso  dos meus pensamentos. metade de...