terça-feira, 29 de julho de 2014

os olhos da noite

os olhos da noite, povoados por fantasmas 
de desejos por concretizar, habitam silêncios,
e teias, e telhas -vazias- de casas inertes. 

concretiza-se o dealbar da barca da aurora,
entregue a mercadores de ossos vazios
de sonho, cheios  do pó que vertes

sobre os joelhos mansos das horas tardias.

nada sabes, dos olhos da noite, mas é neles
que repousas escolhas brandas e dia frios
e palavras ocas, e distâncias, e as ausências

com que feres os dedos ténues da água
onde, todavia, afundas os olhos, loucos
de solidão e de medo, os teus.

antes os interstícios da pele, e as sombras
que, nos intervalos dos corpos, se desenham.
antes os olhos da noite, povoados
pelas mãos, e pelos segredos ciciados.

os meus.


Susana Duarte



segunda-feira, 28 de julho de 2014

Portugal. Vídeo de Rui Videira.




domingo, 27 de julho de 2014

as rosas semeadas nos dedos

não mais cantarei o adeus que impuseste, 
antes os abraços de todos os encontros.


evitarei as ruas por onde, antes, caminhei
lado a lado com o sonho mitigado pela breve
presença das tuas mãos. não mais cantarei
o adeus que impuseste, ou as noites breves,
corrompidas pelo amanhecer das partidas.

cantarei, antes, as rosas semeadas nos dedos
e as auroras desfolhadas por onde mãos 
ténues de luz se passeiam agora. não mais
iluminarei velas antigas, de framboesa e ténue
luz, antes a solar claridade do beijo rubro
que o passado me devolveu. cantarei braços
fortes e abraços eternos, carícias longas
e longos invernos semeados nos abraços
que, agora, nos damos. cantarei o passado
reencontrado. e as manhãs de agora. 

Susana Duarte


In memoriam

Francisco Filipe Martins, um dos maiores compositores da Canção de Coimbra, partiu hoje.



"(...)"



“És a melhor maneira de viver. Podia dizer-te que te quero por tudo o que és. Mas estaria a mentir. Quero-te por tudo o que sou contigo. Quero-te pelo que sou. Porque me sinto, em ti, a pessoa que quero ser. És a minha melhor maneira de viver. Quero-te por egoísmo. É isso. Quero-te por egoísmo. Espero que me queiras pelo mesmo motivo.”


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in "Prometo falhar", de Pedro Chagas Freitas

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Excerto do poema "Maçãs rubras", do livro Pangeia, de Susana Duarte.


(...)

noites
brancas do sangue.                corpo exangue  sobre o leito azul.            as rubras maçãs do sorriso
eram manhãs elevadas à eternidade                          dos corpos         dos amantes. os sonhadores
serão sempre a caixa vazia da realidade,             frugal,          desnecessária,         risível,   do leito

                                                                                                                                                                vazio.

Excerto do poema "Maçãs rubras", do livro Pangeia, de Susana Duarte. 
A publicar pela Alphabetum, em breve.

domingo, 20 de julho de 2014

dá-me as palavras que te peço

esta noite, uma vez mais, os cabelos desenharão os beijos 
nas imagens povoadas do teu rosto.
uma vez mais, desejarão as linhas 
desenhadas pelos teu dedos,
onde as névoas afastam as gotas dos pesadelos
e as sombras das solidões.

esta noite, uma vez mais, terei lençóis de luz,
e cabelos pendurados na ponta de cada uma das estrelas
que, em mim, fazes nascer, quando lhes tocas.

quando tocas nos meus cabelos.

esta noite, uma vez mais, os cabelos desenharão os beijos
onde, dantes, desenhaste as uvas e o mosto,
as viagens de agosto, e os futuros ainda improváveis.

esta noite, uma vez mais, dá-me as palavras que te peço,
e a presença que me ilumina. esta noite. 

Susana Duarte


sexta-feira, 18 de julho de 2014

esta noite, escreverei para ti.

esta noite, escreverei para ti.

sabes amar as palavras deitadas
sobre os teus dedos, como as vinhas
do norte e a terra sob os teus pés.

sabes do amor e das palavras,
e fertilizas o olhar da noite
com o indizível das uvas
e o futuro das sementes 
que, de ti, nascem. 

a cada manhã.

seremos sempre a poesia
que das vozes emana. 

amar-me-ás 
sob o céu azul dos futuros 
antevistos.
e sobre o húmus
e o útero da terra,
e sobre o corpo,
Gaia-mãe, dança 
da terra sobre os dedos,
e sobre as folhas
ávidas do verão
dos seres. 

esta noite, escreverei.

para ti.

Susana Duarte




quinta-feira, 17 de julho de 2014

quando amanhecer, não estarás aqui. serás só a sombra inóspita dos corpos

quando amanhecer, não estarás aqui.
serás só a sombra inóspita dos corpos-
amantes de ontem. quando amanhecer,
serás a névoa que antecede a chuva,
e os trigais ceifados dos meus olhos.

na insólita melodia dos corpos-amantes,
ficas apenas enquanto o sol amadurece
as mãos, e os corpos se digladiam 
sob o antecipado adeus. na triste
melancolia do corpo nú, antecedes
a manhã, e as chuvas de maio. quando
amanhecer, o teu corpo será o breve
traço de luz desenhado nos lagos. 

quando amanhecer, procurarei por ti.
quando amanhecer, procurarás por mim.
mas teremos já partido para o lugar 
onde as águas se movem, e o dia
recomeçará em cada um de nós, 
insuspeito, inóspito como o deserto
de estarmos sós. quando amanhecer.

Susana Duarte




vives entre a alma e o sol,
deitado entre ti e ti,
de ti perdido,
de ti ali,
onde 
as nuvens soltas
navegam delírios vestidos
de noite. vives entre a alma e 
o que não sei. vives, em mim, noite
tempestuosa de olhos desassossegados.

inertes.

vives entre a alma e os dedos,
florescendo mágoas 
e solidões
por entre 
medos.
de ti perdido, 
imaginas encontros de mãos
e sussurrares de aves finalmente tocadas
pelas primaveras do tempo. vives entre a alma,
e o que não sei. vives nas ondas submarinas do ventre

sôfrego.

vives onde não sabes,
e não vives nada, perdido de ti,
entre ti e as névoas das tuas dúvidas.

vives na sombra 
do limbo das folhas,
onde a seiva segrega 

o amarelecer dos dias. 


Susana Duarte

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Fernando Meireles, pai e filho. Dois seres extraordinários. Arte.




quinta-feira, 10 de julho de 2014



fluis como as águas de um rio,

seguindo um caminho de seixos

mas não sabes quem és.

terça-feira, 8 de julho de 2014

"Arribas"



(...)




fosses próximo da lava, e seriam de fogo,                                            as tuas palavras. mas elas são do vento que ondula os oceanos,                e flui, invisível, como invisíveis são as memórias, e, do vento,                              são as palavras.                    as tuas.




no vento das palavras, morrem arribas:         encostas do ventre.             fósseis, e nuas.










(excerto do poema "Arribas", do livro "Pangeia", de Susana Duarte, a publicar brevemente pela Alphabetum Editora)

domingo, 6 de julho de 2014

De Natália Correia

O Livro dos Amantes

I

Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.

II

Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.

III

Príncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.

IV

Dá-me a tua mão por cima das horas.
Quero-te conciso.
Adão depois do paraíso
errando mais nítido à distância
onde te exalto porque te demoras.

V

Toma o meu corpo transparente
no que ultrapassa tua exigência taciturna
Dou-me arrepiando em tua face
uma aragem nocturna.

Vem contemplar nos meus olhos de vidente
a morte que procuras
nos braços que te possuem para além de ter-te.

Toma-me nesta pureza com ângulos de tragédia.
Fica naquele gosto a sangue
que tem por vezes a boca da inocência.

VI

Aumentámos a vida com palavras
água a correr num fundo tão vazio.
As vidas são histórias aumentadas.
Há que ser rio.

Passámos tanta vez naquela estrada
talvez a curva onde se ilude o mundo.
O amor é ser-se dono e não ter nada.
Mas pede tudo.

VII

Tu pedes-me a noção de ser concreta
num sorriso num gesto no que abstrai
a minha exactidão em estar repleta
do que mais fica quando de mim vai.

Tu pedes-me uma parcela de certeza
um desmentido do meu ser virtual
livre no resultado de pureza
da soma do meu bem e do meu mal.

Deixa-me assim ficar. E tu comigo
sem tempo na viagem de entender
o que persigo quando te persigo.

Deixa-me assim ficar no que consente
a minha alma no gosto de reter-te
essencial. Onde quer que te invente.

VIII

Eis-me sem explicações
crucificada em amor:
a boca o fruto e o sabor.

IX

Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.

Natália Correia, in "Poemas (1955)"

sábado, 5 de julho de 2014

lavrarás o peito onde te florescem as mãos

lavrarás o peito onde te  florescem as mãos
e se dissecam passados reencontrados. 

sob as mãos, lavrarás as novas auroras,  
e os dias da carne que se inscreve no outro, 
e no outro se adensa, refletindo o brilho toado 
das húmidas gotas de orvalho que, antes,
 nos caíram do rosto. lavrarás a terra
semeada nos seios de todas as madrugadas,
e os cabelos onde perdes as mãos e nelas
te reencontras. 

podias escrever sobre o amor, antes de o reencontrares.

 agora, escreves sobre os seios onde aprofundas 
o corpo, na procura da eternidade possível
das manhãs.

na noite, procuras o encontro dos lábios.
é na minha boca, que lavras futuros.



Susana Duarte




"a terra és tu o mar sou eu"

Dois Amantes, o Mundo


dois amantes, o mundo
cada um no seu reino, beijam-se nas praias
quando as ondas batem as areias

o mar é o meu navio,
hoje naufrago feliz

sabes quem sou, as dunas
que se levantam com o vento são
os sonhos do amor que dormita
em sossego nas praias

a terra és tu o mar sou eu

Jorge Reis-Sá, in "A Palavra no Cimo das Águas"


Os Amantes

Ternura

Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

David Mourão-Ferreira, in "Infinito Pessoal"

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Ti torcerai le mani per il tempo che e' scaduto





Seguimi
una volta tanto fa qualcosa di diverso
e vieni dietro a me
metti il sole alle tue spalle che davanti ci stia io
una volta tanto lascia che il tuo passo segua il mio
avanti seguimi
con quei piedi da cui puoi levar le scarpe
ma non puoi levare me
prova tu a sdraiarti a terra e capire quanto e' duro
non poter restare in piedi senza avere dietro un muro
e allora seguimi
come ho fatto io ogni volta anche quando
non volevo insieme a te
sono stato il tuo compagno ti ho seguito a far l'amore
tu con una donna vera io con l'ombra sua incolore
e adesso ascoltami se ti dico di piu'

Ti torcerai le mani per il tempo che e' scaduto
lo perderemo insieme e solo tu lo avrai vissuto
e intanto questa storia andra' a finire a modo mio
e tu sarai un'ombra come sono adesso io

Seguimi
non attendere la notte quando il buio
torna a chiedermi per se'
io che vivo tutto il giorno per quell'unico momento
quando il sole e' sopra a picco sono li e ti sono dentro
e adesso ascoltami se ti chiedo di piu'

Ti torcerai le mani per il tempo che e' scaduto
lo perderemo insieme e solo tu lo avrai vissuto
e intanto questa storia andra' a finire a modo mio
e tu sarai un'ombra come sono adesso io
vedrai che in quel momento avrai bisogno del mio aiuto
se nel mio mondoscuro sarai tu lo sconosciuto
se pure non si avvera questo sogno solo mio
che tu diventi un'ombra e un uomo vero io

[Serenata Monumental ]




Vídeo de Alexandre Rebelo. Cerimónia de homenagem à Presidente da APPACDM de Coimbra. Drª Helena Mamede Albuquerque, nos 45 anos da Associação.





quarta-feira, 2 de julho de 2014

Feeling proud =)




sê, em mim

abraça os ramos que de mim se estendem para além do visível
ondula as águas com os braços claros do teu corpo
agita os seios da terra, na procura do ventre
sê, em mim, mais do que terra
revolvida. sê, em mim,
semente.



 metade de mim é silêncio. onde o silêncio habita as margens das veias, habita igualmente o mar tempestuoso  dos meus pensamentos. metade de...