terça-feira, 25 de dezembro de 2018

há um nome 
para todas as coisas.
há um nome

para os voos errantes,
e para as aves trepadoras,
e para as mulheres aladas.
há um nome

para as ondas sobressaltadas,
e para as névoas. há um nome
para as coisas cujo nome
não creio saber,
e para ti. tu, cujo nome não
pronuncio, existes, todavia,
onde as marés alcançam 
a solenidade do sol e
derrotam as angústias
calcificadas nas vertentes 
incorpóreas das palavras, 
e dos nomes, 
que não ouso dizer.

Susana Duarte


domingo, 23 de dezembro de 2018

por todas as sílabas
recitadas em madrugadas 
planas;

por todos os poemas
silabados na segmentação
dos sonhos,

e por todas as noites
rasas da existência,

recito a litania 
inesperada
dos teus nomes,

e acendo a noite rara
das palavras
interditas.

Susana Duarte

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Um excerto de um texto de Clarice Lispector:

...sentou-se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava de morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus,..., faz de conta que vivia e que não estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e os seres amados surgissem quando abrisse os olhos húmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e a luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranquilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro...

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018



Inquietas, as aves 

liquefazem a espera 
nas linhas curvas
da noite sem voz.

Susana Duarte

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

é no teu corpo

que incendeio               o verbo          e colho
a tempestade                          das mãos

descubro, nelas,          o restolhar
das luzes secas           as palavras

e o corpo,

o meu,                          na memória nua
com que te deito                     os braços
e me cubro

e vivo.

Susana Duarte

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Dandélio, Coimbra

https://www.google.com/maps/place/Dand%C3%A9lio+Creche+E+Jardim+de+Inf%C3%A2ncia/@40.2015538,-8.3999092,17z/data=!3m1!4b1!4m11!1m5!8m4!1e1!2s114844834434189033241!3m1!1e1!3m4!1s0xd22f9876a8f66f7:0x1ce502a5d1efb1ff!8m2!3d40.2015497!4d-8.3977205?hl=pt-PT

terça-feira, 27 de novembro de 2018



Findas as rosas e desfolhados os dias
restou este remanso onde a boca se alimenta
da saliva e das vogais inacabadas

e onde nenhum verso pode completar a ode
porque as parcas nos tecem a vida e a morte.

Hoje não é (ainda) o dia em que a casa seja rocha
e os versos sejam luz

hoje é o dia em que o fruto é miraculado
e as preces não dizem adeus
às noites que vieram de longe.

Tão longe…

Custodia Pereira

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

há mistérios no dorso
proeminente
das aves surdas,

e sacrilégios em cada plúmula.

das nuvens às árvores, 
as aves perdem os dias
e os dias desencontram-se 

das quimeras.

há, nas aves negras, as toadas
silenciadas pelo ritmo
das vozes.

em cada voz, um vôo perdido

em cada plúmula, um corpo
desencontrado de si

em cada ave, um amor suposto,
e em cada um, um futuro desaparecido
nas brumas

Susana Duarte


quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Dandélio, Coimbra

https://goo.gl/maps/6LuNRco3VPM2





  • escreverei à meia noite do poema, 
    onde se desfazem as pedras das calçadas
    e os teus passos.

    escolheste seguir as pedras de ontem,
    e os caminhos levantaram o pó 
    dos teus passos.

    escreverei à meia noite do poema,
    onde o vento desfez a noite, ela própria
    uma ave assustada ante a imensidão
    do desejo.

    morrem os corpos na espera,
    enquanto a meia noite do poema se declina
    na cor das cerejas.

    é na confluência dos dedos
    que se desocultam as noites dos corpos,
    entidades desejantes, meia noite das vidas
    nuas, encontro sobre o leito,
    ventos-sul do peito,
    quando a meia noite do poema
    se escreve nas peles.

    Susana Duarte

quinta-feira, 15 de novembro de 2018



eras tu, a árvore da minha vontade
de voar para onde as aves
falam de naufrágios 
e de arribas 
escondidas


pela erosão fácil da alma.

perdi os dias a falar com as ondas,


e as noites à procura do ar
lento que as aves
soletram,

apátridas

como as almas que deambulam
ao largo, onde o sargaço se move
e a praia é um lugar longe.

longe de ti, longe de mim 
e do mundo das pessoas,
procurei ainda a sombra
azul das águas

entristecidas

pelas marés estranhas do ser.

não soube ir além da foz e, todavia,
eis o sorriso fácil da árvore
da vida, nascido
dos teus olhos
e derramado
como luz sobre a maré

onde, outrora, me uni 
às arribas fósseis da vontade
de navegar,

para, em ti, ser soluço,
voz de ave,

maré indissolúvel.

Susana Duarte


sábado, 3 de novembro de 2018

quando vieres, traz os dedos
 da aurora,

e amanhece nas dobras cegas 
do pescoço
onde, ontem, navegaste 
os trevos 
do dia longo
[anterior às mágoas]

florescidos dos teus dedos,
esquecidos dos segredos

[onde as horas não chegam
e os teus olhos me faltam]

Susana Duarte
2017


sexta-feira, 12 de outubro de 2018



aconchego o silêncio
nas palavras sossegadas
pelas lágrimas da noite

encontro-o, cartografado
nas linhas vorazes do voo
sempre que escreves


vozes sobre a pele

Susana Duarte
2015




entre os muros e as heras,
escolho os silêncios 
com que norteias as gárgulas.

entre os muros e os dias, 
antes as marés vazias de palavras.


Susana Duarte

segunda-feira, 24 de setembro de 2018





há um poema por escrever 
onde a vida alucina e uiva,

onde as ondas são marés 
ruivas de desalento, e o poema


decadente
se inscreve nas veias 
azuis de todos os dias.

onde mora o poema, 
demoram-se as aves

apátridas
e os sonhos dúbios
das mulheres. são sempre dúbios,
os sonhos das mulheres.
são azuis e são negros 
e são brancos 
e vermelhos,

os sonhos das mulheres.
como os poemas por escrever,
as mulheres demoram-se
nos beirais dos dias. esperam

pelas aves, pelas palavras, 
pelos filhos, e por serem apenas

isso: mulheres, poemas por escrever,
apátridas como as noites
onde gatos ciciam diálogos

incompreensíveis, e caminham 
sós pelas ruas de antes.

Susana Duarte 

terça-feira, 14 de agosto de 2018

há ondas devassadas
pelo silêncio
das areias,

onde as vertentes úmbrias
derrotam as névoas
e as mulheres
içam memórias

à altura dos seios
inanimados.

as ondas devassadas
falam de gaivotas
perdidas,

voo disperso,
fendido
pelas rochas,

salgada a procura, e
longínquas as asas.

Susana Duarte

domingo, 8 de julho de 2018



(...)

fosses próximo da lava,                                                         e seriam de fogo,
as tuas palavras.                         mas elas são do vento que ondula os oceanos, 
e flui, invisível,                           como invisíveis são as memórias, e, do vento, 
                                                                                  são as palavras. as tuas.

no vento das palavras,                               morrem arribas: encostas do ventre. 
        
                                                                                               fósseis, e nuas.


Susana Duarte
Excerto de Arribas

segunda-feira, 25 de junho de 2018



eis a noite ensimesmada
das bruxas 
e as quimeras vivas:

talvez haja um poema,
ou a sede por escrever.

talvez tu sejas a sombra 
navegante das asas perdidas,
ou o esquálido 
e angustiado nó
deixado vivo nas noites outrora 
agitadas pela ode marítima 
com que me beijavas 
a madrugada.

eis as noites das quimeras,
gárgulas perdidas
onde os nós se desatam,
sedentos, talvez, de deixar
nas pedras as sombras
originais. eis os nós, e as pedras.

eis o ser que se transforma,
e a mulher-rocha das marés.

Susana Duarte

sábado, 9 de junho de 2018

passam os dias nas onomatopeias 
da raiva,
do cansaço,
da exaustão;
por entre os fios ténues

do pensamento à beira do vómito.

povoam os sonhos aves negras 
da raiva das máquinas 
em que nos tornaram, 

céleres, resolutas,
deus ex-machina
omnipotentes, omnipresentes,
desligados da vida

e, sempre, à beira do precipício
profundo das alas da mente
onde a luz não penetra 
e, sombrias,
se insinuam as dúvidas

que as fiandeiras tecem.

Susana Duarte

sábado, 26 de maio de 2018



talvez as ondas

tenham despojado de luz

as estrelas nelas espelhadas.



talvez fosse apenas 

a noite, soprando o mar 

para além do horizonte.



se fosses tu, preencherias

a noite de luz. a não ser que a aurora

se demorasse, a cavalo na noite,

ensombrada pelo receio

de ser um dia novo,



onde os homens têm medo.




talvez as ondas segurem

as estrelas para além do céu, 

quando a noite se demora.



talvez o calor nos devolva o dia, 

e nos dê a exata medida dos sonhos.



talvez tu, na sonora imensidão

das ondas, sejas a espuma 

que delas nasce,



etéreo,


apenas sonho.





Susana Duarte


domingo, 6 de maio de 2018

domingo, 8 de abril de 2018



as aves solitárias
moram na bainha das folhas,
e migram através das nervuras,
e desfolham-se no limbo.
atravessam pecíolos, 
e navegam ondas de som
desfocado. as aves solitárias
moram nos espinhos achatados,
mas almejam a endoderme 
do sonho. moram 
na endoderme do sonho.


Susana Duarte

terça-feira, 3 de abril de 2018



segmentas a noite
traçando caminhos dúbios
onde se sagraram primaveras,

elas próprias desprendidas
do hálito das flores. talvez 
sejas a lua, talvez a noite
-ela própria fracturada-
que se desvia das manhãs


e procura a fresca linha 
radial dos encontros

dos olhares.




vou sentar-me sobre as costas
dos teus olhos, 
e ver-me através deles, sedentos 
das névoas 
das minhas madrugadas.


vou sentar-me sobre
os teus braços e, através deles, 
rever encostas
onde os seios te abraçaram,
e foram eternas
as inermes mãos sobre o dorso.

vou sentar-me
sobre as dobras da tua voz, 
onde o silêncio
me chama e a língua me conquista. 
sobre ela,
desfazer as névoas que, junto ao rio, 
pairaram, no instante do atrevimento.

a língua de fogo
dos teus dedos, sobre a língua de fogo
da água que sobre ti se deita, 
exclamando 
todas as noites
de todas as idades, 
desfiguradas pelo silêncio 
que, sob a chuva, se abateu, pronto 
que estava o sorriso dos lábios, 
pronta a boca
para, sobre ti,

pairar e, ali,

depositar o dia.

Susana Duarte




segunda-feira, 26 de março de 2018



"O cansaço é nascente como o sol"
Gastão Cruz


they leave 
and act like it never happened 
they come back 
and act like they never left


-ghosts

Rupi Kaur
The sun and her flowers

domingo, 18 de março de 2018



poemas são transumâncias
de deuses

pastam nos versos
a infinita criação


valter hugo mãe 
publicação da mortalidade
Assírio e Alvim




se alguma vez me vires em sonhos
sacode-me a terra ao coração




valter hugo mãe 
publicação da mortalidade
Assírio e Alvim

sábado, 17 de março de 2018



invocar o nome ausente
é libertar as asas para um vôo
ao centro das memórias,

onde se arrastam espectros
e pronunciam palavras mortas.


libertar as aves no centro da terra,
quando se invoca o nome ausente,
convoca as dores antigas 
das mulheres ensimesmadas.

são as mulheres que movem
as asas da humana condição.
habitam-nas as estórias 
do amor e do fel, e os cabelos
perdidos, e os dedos suspensos, 
e os corpos dilatados 
de todas as paixões.

é delas, o mundo.

[é delas, o mundo 
a que não pertencem,
nunca, os amores
possíveis],

porque as mulheres são 
impossibilidade,
presente e futuro, 
e as memórias todas
de todas as aves. e todos 
os nomes ausentes
sobre a pele salgada

de ontem.

Susana Duarte




partiste,
e ficaste no recanto escuro 
do teu inferno
sem asas.


não ouses voltar 
a tirar, das flores,
as pétalas.

não ouses roubar 
as asas das borboletas.

Susana Duarte




entre o medo e a sombra, 
a luz lenta
dos braços

(curvos sobre os poros,
e ocultos pela maresia:
algaço
despovoado de ondas)


entre a luz e o nada,
a sombra inequívoca
dos braços,

onda nova sobre a pele,
onde escreves mar 
e desenhas

espaços de sono e de sonho
(e a mulher é
um rifte)

onde inscrevo as pedras

e vou

Susana Duarte


segunda-feira, 5 de março de 2018



“(…)

RAOMOMAR



amor confuso, amor repetido, amor esotérico,

[amor mágico.



– MAR



mar perdido de conchas no meio do mar

mar de marés justapostas de amor num mar

[de marfim.

perdido no teu joelho de marfim.

mar de bosques que anuncia ao estrangeiro

[terra perfumada

oceano no teu oceano de olhar

Isís a mulher de Osíris ? – a realidade misturada.

no MAR.

mar que te apontei do alto da torre coberta

[pelo nevoeiro

pelo avião que atravessa o espaço

pelo incêndio que percorre o mundo

[num autocarro

pelo soerguer do teu corpo semi-quente

[na madrugada



mar azul-vermelho queimado de arestas

mar de dedos frios, de velas sibilinas na noite

[de cristal

mar de sonâmbulos esquecidos a medir o espaço

[com fitas de estrelas

mar de passageiros estranhos e abismados

mar de casas altíssimas onde habitam as cidades



MAR para que não me chegam os olhos

Mar branco de nuvens sobrepostas para lhe

[podermos passar por cima

Mar de esquecimento, de objetos sensíveis

[e distintos

Mar onde guardei o aquário azul que trouxe

[até hoje na memória

e só hoje te espalho para o mundo MAR

onde é possível e provável o envenena

[mento total da espécie.

onde descanso a minha mão esquerda

[sobre uma pantera negra

e todos os dias mergulho em fogo



Amor sem nexo, amor contínuo,

[amor disperso – MAR



mar com uma bala direita no cérebro

mar sem apoio em nenhum ponto do espaço, mas

preso apesar de

tudo numa enorme teia diabolicamente construída

para conseguir

ser livre

mar de submarinos insondáveis que navegam o

infinito do mar

mar espacial de sons, de cores, de imagens, de mil anos passados

que percorremos



MAR que flutua no MAR abusivamente medonho



amor esquecido, amor distante, amor insolente

RAOMOMAR

(…)


António Maria Lisboa (Lisboa, 1/8/1928 – Lisboa, 11/11/1953)
Poeta.

domingo, 4 de março de 2018

Maçãs rubras


Maçãs rubras
(ouvindo Françoise Hardy, “On se quitte toujours”)









as rubras maçãs do sorriso                e as névoas indistintas da memória                 fundem noites
no sangue          púrpura                    do corpo.                             as rubras noites do desejo são riso
e são sombra      e são glória           das costas que se erguem sob o peito obscuro do rio.  noites
brancas do sangue.                corpo exangue  sobre o leito azul.            as rubras maçãs do sorriso
eram manhãs elevadas à eternidade                          dos corpos         dos amantes. os sonhadores
serão sempre a caixa vazia da realidade,             frugal,          desnecessária,         risível,   do leito
                                                                                                                                                                vazio.






escrevi-te nos recantos purpúreos,                     carnosos,                           do corpo e da memória,
onde extingues a vida                       com a ausência das mãos.                               sobra, sobre nós,
                                                                                                                                                              o rio.


Susana Duarte

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018




há um poema por escrever
sobre as pernas da noite; é
o poema navegado pelas mãos
desconhecidas da madrugada,
ímpares nos pormenores estriados
por onde se espraiam os olhos.


o poema por escrever permanece
nos recantos esquecidos da pele,
e recai, como a água dos olhos,

onde as pernas da noite amanhecem,
como os gatos nas balaustradas,
e as mulheres ensonadas 

que escrevem destinos.

sobre as pernas da noite.

Susana Duarte

domingo, 4 de fevereiro de 2018



e tu,
vais-te embora? vais-te embora?...

não,
não te vais embora: fico contigo…


deixas-me nas mãos a tua alma,
como um casaco.



marguerite yourcenar
fogos
trad. de maria da graça morais sarmento
difel
1995

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018



"A alma, ao contrário do que tu supões, a alma é exterior: envolve e impregna o corpo como um fluido envolve a matéria. Em certos homens a alma chega a ser visível, a atmosfera que os rodeia tomar cor. Há seres cuja alma é uma contínua exalação: arrastam-na como um cometa ao oiro esparralhado da cauda - imensa, dorida, frenética. Há-os cuja alma é de uma sensibilidade extrema: sentem em si todo o universo. Daí também simpatias e antipatias súbitas quando duas almas se tocam, mesmo antes da matéria comunicar. O amor não é senão a impregnação desses fluidos, formando uma só alma, como o ódio é a repulsão dessa névoa sensível. Assim é que o homem faz parte da estrela e a estrela de Deus."

Raúl Brandão, "Húmus"


segunda-feira, 22 de janeiro de 2018



o teu sonho será a pele
que vestiu o rosto
da neve, nos dias brancos

da minha existência.


o teu sonho será a neve
que me vestiu a pele 
do rosto nos dias-todos os dias-
da ausência.

vestiria a nudez do olhar 
sob as escamas 
de um peixe nacarado.
procuro-te. o sonho
onde habitas é, ainda.

a ilha desconhecida 
do silêncio.

Susana Duarte

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018



faltas-me.







na insubmissa saudade que me traz névoas, 




falta-me o ângulo solar do teu sorriso. 


habituei-me à ausência dos lábios, 


nunca me habituando à ausência 


do que pressinto. faltas-me. 












é longa a lisura dos braços que me acolhem 


saudades mansas, despidas da bruma antiga, 


onde habitas todos os recantos breves 


das palavras que dissemos. 







faltas-me no ar que me respira e vive. 







faltas-me, sobretudo, onde a noite 


se faz longa estrada percorrida 


pela cadência agreste das silvas 


que entoam cantos de coruja, nos locais 


onde a lua interpela os amantes. 








faltas-me nas ondas do cabelo, 


que dantes revolvias com dedos seguros. 








faltas-me onde me sabes, e sabes-me 


onde o mundo se oculta de mim e eu, 


dele me escondo. faltas-me. 








na insubmissa saudade dos mares 


outrora atravessadosde carícias, falta-me 


o ângulo solar dos teus dedos. habituei-me 


à ausência dos beijos, nunca me habituando 


à ausência do que pressinto e sei. faltas-me. 







todos os dias. 










Susana Duarte

 metade de mim é silêncio. onde o silêncio habita as margens das veias, habita igualmente o mar tempestuoso  dos meus pensamentos. metade de...