terça-feira, 31 de dezembro de 2013

mulher,


dançarás, mulher, uma dança
feita de corpos desejantes,
metáforas dançantes
e feitiçaria.

dançarás, mulher,
sobre os escombros da paixão,
corpos-metáfora
da solidão.

dançarás, feiticeira,
onde os corpos são nada,
e o nada são luzes
ou gárgulas de rocha
levantadas sobre os corpos.

dançarás, mulher,
a dança luzente de estarmos

sós.
susana duarte




Coimbra...

(...)

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

De Manuel Adriano Rodrigues (Blog Sip of Glory)



faz hoje mais um poema desde que partiste










ah! misère de t'aimer, mon frêle amour
qui vas respirant comme on respire um jour!
(Paul Verlaine)

sim, doutor
é verdade que estou doente
mas esta dor não pertence ao âmbito do sistema nacional de saúde

sofro de silêncios, ausências
e vendavais interiores
e também tenho um coração onde falta alguma coisa

que não lhe sei explicar

desculpe-me vir aqui dizer-lhe estas coisas
tão pequenas
que provavelmente só farão sentido na poesia

já falei com o kant e com o hegel
e disseram-me que tenho de me comportar como a maioria
e usar a cabeça em vez do coração

fui deixado pelo amor, sr. doutor
e agora já não acredito na existência da lua


(mar) 24/07/13

domingo, 29 de dezembro de 2013

Coimbra, hoje



Coimbra acordou azul, líquida, bela na sua majestade, ditada pelo rumor milenar das vestes das tricanas, e das freiras, e das damas da corte. Coimbra adormecerá assim, solene na sombra das ruas que se derramam por sobre, e por entre, as gotas de água do seu rio. Coimbra acordou assim, e assim adormecerá, serena e bela, embalando os sonhos dos dias que, sobre todos nós, acordam os verbos todos de todas as nossas existências.

Susana Duarte

sábado, 28 de dezembro de 2013

De João Rasteiro

.
Viveremos nas regiões dos lábios selvagens
para colher a sílaba e os lábios selvagens,
para arvorar corpos de brutais lábios selvagens
que possuem estranhas línguas cor de tília.
*
Viveremos na região onde aspergimos
a desmesura da totalitária voz do mundo.
*
Pensar nos vocábulos agâmicos e não em Deus
não inculpa o desejo de estar vivo ou morto.
*
Viveremos na região dos opulentos delírios,
“só deus não chega e o outro sobeja”. Alfabetos.
.
[João Rasteiro - In, Eu cantarei um dia da tristeza]

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

De José Luís Peixoto






"Io credevo davvero che l'amore é il sangue del sole dentro il sole.L'innocenza ripetuta mille volte nella voglia sincera di desiderare che il cielo capisca. Io credevo che si alzano tempeste fargili e delicate nel respiro vegetale dell'amore. Come una pianta che cresce dalla terra. L'amore é la luce del sole, bevendo la dolce voce di quella pianta. Qualcosa dentro un'altra cosa profonda. Io credevo che l'amore é il senso di tutte le parole impossibili".


José Luís Peixoto, tradução minha


nascerão, um dia, aves, nas margens serenas dos lábios.

não nascem poemas, nas terras
submersas pelo vento das águas fundas
da noite. não nascem lexemas graves, das imediações
do peito, quando o peito é prado de papoilas
verdes. nascerão, um dia, aves, nas
margens serenas dos lábios.
não nascem poemas,
se das águas dos lábios florescem
apenas sombras. nascerão, porventura,
de um leito de suaves flores azuis, voadoras,
miosótis dos nossos dedos. nascerão, qual onda esmeralda,
se dos dedos surgirem luas, e anéis de luz,
e corais, e pétalas navegadas
pelas doces margens do
coração. voa,
sobre as palavras,
a borboleta nascida dos prados.
voa, sobre o poema por nascer, a luz
ténue das manhãs em que somos névoas,
gotas de humidade breve sobre as folhas, pétalas
luzentes sobre os dedos de todos os segredos.

Susana Duarte

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

De Manuel Branco..."Desculpa a impertinência:não me consigo esquecer de ti."

ENCONTRO

Vem ter comigo à bruma da manhã.Entremos no claro das árvores e no espanto meticuloso do dia,que nos inicia a luz só para melhor nos encontrar uma vereda amável.Podes mesmo dar-me a mão,sozinho perco-me na penumbra dos sonhos,no ritmo imperioso do possível.Como dizer da saudade sem que o mundo note,talvez apenas mostrando-te a cicatriz do trilho silencioso das lágrimas no rosto.Tocaste o meu sonho ao passares por aqui,deixando uma luminosa tatuagem.Sabes,às vezes escrevo-te.Há em tudo um alvoroço,um querer,e o lápis arranha o papel como te farei quando cresceres na ponta ansiosa dos meus dedos.As minhas mãos esperam-te,na bruma.Desculpa a impertinência:não me consigo esquecer de ti.Ainda se não tivesses o olhar fundo com que me miras,talvez eu pudesse olhar para outro lado.Mas enquanto tiver esta saudade de te beijar a toda a hora,como poderei afastar um diamante para me distrair com pedras simples?A minha cidade podes ser tu,as minhas ruas e veredas são o teu sorriso,num amor de trato difícil.Ciúme longo,abraços,muita maresia.Mas amanhã,sempre,agora,quente ternura à flor da pele.E dos ossos.Como se me nascesse uma pequena macieira rente ao coração,acaricio um sonho.As flores que nascem na minha boca,trazem o teu aroma ,entre beijos e sonho.Tenho-te apenas a ti e tenho tudo.Todo eu sou saudade,num corpo de ternura.Só isto,na bruma da manhã.

manuel branco

sábado, 21 de dezembro de 2013

deita-te a meu lado, e fala-me da transcendência.

deita-te a meu lado,
e fala-me da transcendência. diz-me
onde residem

 os poemas, e revela-me a luz de outrora.

deita-te nos meus braços,
e fala-me da saudade. diz-me onde
reside a sede, e a fome, e a vontade de ser abraço, poema
inscrito num braço, que me prende e segura. conta-me dos dias sonoros,
e da velocidade dos movimentos dos dedos, quando, maravilhados,
inscreveram em si próprios o poema. deita-te a meu lado,
e reencontra, no corpo que se arqueia,
as palavras que procuras.

e fica. fica a meu lado,
e revela-me as ondas da paixão,
e os olhares que desnudam, e a alegria
de se ser onde o poema se inscreve na carne.

deita-te a meu lado,
e fala-me da transcendência.

susana duarte

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

esta noite, a palavra: 
a palavra, a salvação, 
um eco suado, uma noite
inscrita nos óvulos fecundos do poema. 

esta noite, a palavra, 
os dias todos, a inquirição 
às estrelas, a palavra.

a palavra, ventre nú 
e mágoa, os dias todos,
todos os dias, os jardins 
e as cores e a polinização do peito,
nú, inscrito no mar, e nas flores, 
e na noite estranha, 
anéis de saturno, 
luas novas de sermos paixão, 
sofridas as palavras, 
maravilhadas as suaves pestanas 
da transcendência 
do coração das luas.

esta noite, a palavra.


susana duarte


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

pensava saber onde viviam as flores

sabia onde vivia o amor, quando o amor sabia a cerejas bravas
no coração dos dedos. habitava uma casa azul, telhas aladas
contra o céu e os cirros das imagens que trazia nos olhos.
sabia onde vivia o amor, quando as nuvens sabiam voar
e me deixavas ir até onde as cerejas bravas coloriam
imagens de rubra paixão; nesses dias, as ondas
dos cílios desenhavam contrabaixos na pele
de todos os silêncios. pensava saber
onde viviam as flores, e o vermelho
do fogo por extinguir com os
lábios. sobram as vertentes
úmbrias da memória
das mãos sobre
as rubras
cerejas.


susana duarte


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

imagem:tu

o sonho fez-se, de luz e beijos,                                            claros que eram os desejos,
luminosa que era a noite fria onde dormiam                 os braços e as carícias e as mãos 
e as delícias                   dos abraços.                interrompidos, intempestivos, rarefeitos,
quando o amor se construía               apenas             com as vozes,              os abraços
fizeram-se carne,                  em sonhos            etéreos; em imagens  e em sóis de antes.

não passou de um sonho.                  nada foi, senão a antevisão das nozes      do corpo
que as luzes    não tornaram real.                      obstinado,          ficaste aí. onde as mãos
nada são.               não serão nada,      senão a miragem.    uma foto.    uma imagem.  tu.


susana duarte.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

se quisesses

escrevo-te sobre os poros___________e sob a pele,
enquanto me habitas as sombras____e os recantos
luminosos____________________de noites antigas 

são antigas as ruas onde passámos_________vidas
inteiras, abertas, marinheiras_____do infinito luzente
______________que nos habita o centro do corpo e
o centro_______da vida, e o centro dos olhos_____

serias a águia e o grito______a água e o parto____
se, querendo, me quisesses._____se, querendo, me
_______amasses as terras longínquas de onde sou.

serias, se quisesses, as asas todas do meu corpo.

susana duarte
poema e foto




sábado, 7 de dezembro de 2013

Don't know why - Norah Jones







Album Come away with me (2002)




Don't know why - Norah Jones




I waited 'til I saw the sun

I don't know why I didn't come

I left you by the house of fun

I don't know why I didn't come

I don't know why I didn't come




When I saw the break of day

I wished that I could fly away

Instead of kneeling in the sand

Catching teardrops in my hand




My heart is drenched in wine

But you'll be on my mind

Forever




Out across the endless sea

I would die in ecstasy

But I'll be a bag of bones

Driving down the road along




My heart is drenched in wine

But you'll be on my mind

Forever




Something has to make you run

I don't know why I didn't come

I feel as empty as a drum

I don't know why I didn't come

I don't know why I didn't come

I don't know why I didn't come

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

no negro dos lábios, a vida



no negro dos lábios, a vida
toda. na boca dos cabelos, 
a imensidão das noites. 
sem querer, conto as auroras
perdidas de quem sou.

na leitura das linhas, perdida
foi a boca. o que se excede
não é nada. apenas a sombra:
ave sem rectrizes. onda. eu.

Susana Duarte

domingo, 1 de dezembro de 2013



as folhas caem sobre o ventre das memórias
e nascem do esquecimento do verão, e das ondas azuis do meu cabelo.
esqueceste-te das mãos. sobre elas, as ondas azuis,
(e depois de todas as névoas),
foste habitar os tempos e os lugares das lendas
dos marinheiros romanos.

onde quer que te saibas, navega seguro.
fico com as folhas, e com as ondas outras de ser apenas a folha caída
sob pés outrora seguros.


I'm missing my own directions...



Where to?

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

(...)





“There was a beautiful time...” 

― Sylvia Plath


Foto pessoal, tirada na Casa de Fado de Coimbra àCapella

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Identidade





são etéreas, as memórias.
talvez, apenas, ilusões,
talvez, apenas, estórias
de abraços desabituados dos corpos.



são névoas, as canções.
talvez fossem sorrisos,
memórias de abrigos e de corações
interrompidos, navegados, ou...mortos.


a morte da memória é o esquecimento,
e o apagamento da sombra das mãos:
aquelas que, outrora, foram tuas, impressas
num ventre oculto, navegadas elas pelo ventre,
demente, talvez. esquecido. doente


de abandono.


[quem és? quem foste?]

Susana Duarte

domingo, 24 de novembro de 2013

OPUS




obra, 
sabedoria prenhe de gazelas
sobre folhas caídas do peito

obra imperfeita, perfeita, inacabada e acabada
mantida nas pálpebras,

sobre o chão de folhas
da alma:
inverno nú, ave rasteira à terra

____ave entre as pernas da noite_____

obra acabada. solidão imperfeita:
olhos de água, rasos de auroras 
nunca mais acontecidas.

flores do meu dorso,
em alvoradas desmedidas. 
alvas estrelas de som, em noites imperfeitas

que, na hora de todas as quimeras,
se apoderam de todas as luzes do ventre 
e me tolhem da quieta mansidão do sono.

hibiscos rosa. claridade do sonho:
habitas-me todas as utopias.

desagrega-me. agrega-me à areia do teu corpo.


susana duarte


" Estar privado da esperança não é desesperar. As chamas da terra valem bem os perfumes celestes. " 

Albert Camus


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)



Deita-te aqui - esta noite, dentro de mim,
está tanto frio. Se fores capaz, cobre-me de
beijos: talvez assim eu possa esquecer para
sempre quem me matou de amor, ou morrer
de uma vez sem me lembrar. Isso, abraça-me

também: onde os teus dedos tocarem há uma
ferida que o tempo não consegue transportar.
Mas fecho os olhos, se tu não te importares, e
finjo que essa dor é uma mentira. Claro, o que

quiseres está bem - tudo, ou qualquer coisa,
ou mesmo nada serve, desde que o frio fique
no laço das tuas mãos e não regresse ao corpo
que te deixo agora sepultar. Não sentes frio, tu,

dentro de mim? Nunca nevou de madrugada no
teu quarto? Que país é o teu? Que idade tens?
Não, prefiro não saber como te chamas.

sábado, 16 de novembro de 2013

...

A me piace sentire le cose cantare. Voi le toccate:
diventano rigide e mute.
Voi mi uccidete le cose.
Rainer Maria Rilke

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Voo

rolam céleres, sobre o rosto, as lágrimas 
que, do ventre, nascem: auroras escarpadas
dos meus dedos, onde a vida se tornou mar
revolto, temporal nas veias, tentativa de olhar
de frente as aves, do seu voo saciadas.



Susana Duarte
Foto pessoal
arte 

sábado, 9 de novembro de 2013

Genciana

GENCIANA

queria uma palavra azul para te descrever as sílabas que, de ti, vejo sair,
como aves que exploram o infinito. trémulas, no início, inseguras da paixão;
seguras quando, eternas, se deitam na minha mão e atingem o seu devir.

                                                                                                        eu e tu somos uma flor gamopétala.

descreves em mim linhas. voas-me nos dedos das pálpebras dos sonhos
e procuras-me, no rosto, o sorriso crescente da estranheza-encantamento;
seguras-me as mãos quando navego à procura de sílabas e de medronhos
que descasco, um a um, nas mãos que ocupo com a imagem do teu lamento
quando a vida, por breves momentos, tolheu de nós as palavras e os voos.

                                                                                                     eu e tu somos uma flor gamopétala.

escrevemos páginas de sonhos em folhas de flores azuis e em sombras
de noites irrequietas. Sábias são as cores místicas do sonho – horizonte
onde as asas encontram as sílabas e as sílabas se tornam o teu nome…
és a palavra que nunca se esconde,  a floresta de árvores sem penumbras
onde me deito, aliada das asas de um anjo como se o anjo fosse a fonte
da vida quem em mim almejas. em mim, tiras a sede e matas a fome.

                                                                                                         eu e tu somos uma genciana azul.

do  azul-maravilha e espanto, nasceu uma ilha e a terra de uma sonolência
serena, que nos transformou na etérea luz de uma sombra chinesa, onde
nos escondemos para viver  a esplendorosa cor azul-onírico de palavras-sonho.

Eu, e Tu, somos o Sonho consubstanciado no encontro das marés,

e na confluência dos toques,


e nos remos.


Susana Duarte
Pescadores de Fosforescências
Alphabetum Edições Literárias
Dezembro de 2012
ISBN: 978-989-8590-02-2


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

...em vão...

"Em vão procuramos a presença deste ausente
Sabemos que se ele se manifestasse o mundo não seria o mundo
e a sua presença seria um excesso que anularia a nossa liberdade
Não há contrapartida para o desamparo não há consumação
para o que no existir é a crispada urgência
e a morte é sempre extemporânea"


António Ramos Rosa, excerto


sábado, 2 de novembro de 2013

Solidão


Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso

Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio

É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou

Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna

Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

dormiria sob a luz dos teus olhos


dormiria sob a luz dos teus olhos,
em ti, anoitecendo 



e, em ti, caminhando


por sobre diagramas de linhas cruzadas
anoitecidas

desencontradas
e, talvez,

apenas...

linhas de vidas cruzadas, amibívios 
de escolhas
e soturnas melodias



anoiteceria em ti, onde as luzes

calam as sombras

e a vida 
se refaz, rarefeita que era,
sublime sombra de ténues olhares,

onde anoiteci


em teus olhos, adormeço e sinto

as formas das tuas mãos

que se desenham

e me desenham


e nos projetam lá, onde os olhos sobrevoam
as águas

das nossas línguas

e o suor das nossas mãos


adormeci em ti, e em ti 

soube da noite clara e eterna,

ao som das gotas e da chuva que, de teus braços,
desce
iluminando os poros

e dizendo-me quem sou.





susana duarte


sábado, 26 de outubro de 2013

Do nosso amado Poeta Joaquim Pessoa

Dia 349. (excerto)

Ontem fui uma luz. Hoje sou uma luz.
Uma luz serei entre as tuas espáduas e no interior
da tua boca, na tua nuca incandescente, no ombro que
a minha língua percorre, faminta e transtornada.
A tua pele é um doce delírio, um fogo em território de paixão,
percorrido à velocidade desta luz. Sobre ela correm
animais assustados, fugindo da voracidade dos meus lábios,
dos meus dentes que mordem a surpresa.
E em cada centímetro do teu corpo beijo árvores e casas
de uma cidade branca onde Deus habita, e onde esvoaça
para o céu da minha boca um coro de anjos transparentes
que exultam aleluias no meu sangue.
O meu corpo é uma pátria de desejo. A tua boca
um poema manuscrito, dito em silêncio à minha boca
que mastiga as tuas palavras de seda, e de sede.
E de incêndio.

*

Joaquim Pessoa
in ANO COMUM, 2.ª Ed.
(Introd. de Robert Simon; Posf. Teresa Sá Couto)
Editora Edições Esgotadas, 2013.

sábado, 19 de outubro de 2013

Mágoa



o espaço concomitante à mágoa
é o espaço mais amplo da vida:

onde aves piam sonoras,
quimeras ecoam
nas ruas,



nuas.



susana duarte



quarta-feira, 16 de outubro de 2013

_____________________________ainda há pessoas bonitas______________________________


"No mar não há primavera nem outono. No mar o tempo não morre", disse Sophia de Mello Breyner Andresen, em "A menina do mar"...


No tempo que não morre, inscrevem-se as pessoas bonitas da nossa vida. 

A essas pessoas, que estão a meu lado e, comigo, caminham por sobre as navegações dos dias, não abandonando as flores e as dores que caracterizam uma vida plena, aqui fica uma palavra de eterna e profunda gratidão. 


Todas aquelas que não permanecem, ficarão sempre como parte de uma história de vida.
Para elas, até sempre. 




domingo, 13 de outubro de 2013

Sylvia Plath (1932 - 1963)
Mad Girl's Love Song


"I shut my eyes and all the world drops dead;
I lift my lids and all is born again.
(I think I made you up inside my head.)

The stars go waltzing out in blue and red,
And arbitrary blackness gallops in:
I shut my eyes and all the world drops dead.

I dreamed that you bewitched me into bed
And sung me moon-struck, kissed me quite insane.
(I think I made you up inside my head.)

God topples from the sky, hell's fires fade:
Exit seraphim and Satan's men:
I shut my eyes and all the world drops dead.

I fancied you'd return the way you said,
But I grow old and I forget your name.
(I think I made you up inside my head.)

I should have loved a thunderbird instead;
At least when spring comes they roar back again.
I shut my eyes and all the world drops dead.
(I think I made you up inside my head.)"



Foto: retirada do Google imagens



caminho costeira 
por onde passam gritos,
através das rochas, areias e granitos 
e das conchas despegadas de sonhos e madrugadas.

Susana Duarte









...

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Perché lei e Mattia erano uniti da un filo elastico e invisibile, sepolto sotto un mucchio di cose di poca importanza, un filo che poteva esistere soltanto fra due come loro: due che avevano riconosciuto la propria solitudine l'uno nell'altra.


Paolo Giordano, La solitudine dei numeri primi

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Tu nombre



Te imprimo en el borde de mis sentidos

donde el limbo apenas es un camino
salto de hoja en hoja y en la naturaleza viva de tus manos
abro mi boca sedienta del agua que sale de tu cuerpo

Ondeo las líneas de tu tallo y
me nutro con tu vida:

semilla,
fuente,
flor nocturna
y durazno rosado;
luz naciente
ángulo inexistente de una curva,
cuarto creciente
de mi luna.

te imprimo en el rincón ambiguo de los sueños
a la espera del sol naciente, cortante de mis venas

amplitud de navegación de las flores, en la cala
donde vestí las flores al mirarlas,

luz

cueva de lobos de una nueva montaña
donde imprimimos la especie, en los ojos azules de tu boca

te imprimo en el borde de mis sentidos
donde el limbo es el margen de la vida

por medio de encrucijadas y ligaciones extrañas
pero donde siempre reina tu nombre…


Susana Duarte
(poema e foto)
Tradução: Tiziana Calcagno



segunda-feira, 30 de setembro de 2013


Idades

talvez os dias
tenham sido obscurecidos
pela sombra suave
do entardecer florado

das mágoas
sobre as quais repousam
os risos, os gritos e as lágrimas
das folhas
que caem, inexoravelmente,
sobre os joelhos

da manhã.


Susana Duarte

Foto: retirada da net; desconheço autoria



by Robert Creeley


She stood at the window. There was
a sound, a light.
She stood at the window. A face.

Was it that she was looking for,
he thought. Was it that
she was looking for. He said,

turn from it, turn
from it. The pain is
not unpainful. Turn from it.

The act of her anger, of
the anger she felt then,
not turning to him.



If you expect nothing from anybody, you’re never disappointed.


SYLVIA PLATH, The Bell Jar




sábado, 28 de setembro de 2013

Florescer nuvens

poderiam ser palavras minhas,
as que semeio nos bancos do tempo.
consumimos dias como consumimos noites,

e os dias foram tão breves,

e as noites, tão leves,

despidas de sono, despidos nós.

poderiam ser palavras minhas,
as que deposito na gloriosa sabedoria da lua,
milenar, pedra angular de todos os rios, navegada
por nós sobre os ângulos frios do antigo desconhecimento.

poderiam ser tuas as frases saídas das pálpebras,
onde o azul renasce, framboesa da minha boca,
com a qual colho sons e sonhos e água e sementes

com as quais me dirijo ao vento
e floresço amora-beijo-cais das colunas do desejo
e flor noturna onde te deitas e sabes. poderiam

ser flores, as palavras e o peito, crescente lunar
de uma nuvem que alcanço em ti.

susana duarte


.escrever silêncios nas noites claras, perfumadas de abraços e de distâncias.

.inscrever nas noites os silêncios claros, perfumados de comboios que chegam.

. dedicar-me-ei a desenhar céus claros e linhas de caminhos de ferro. ânsias.

. só os céus de caminhos e os claros ferros da vontade, te trarão a mim.

. são aves que desenham voos na espera. dores. saudades que viajam. cegam.


_______________________abraço-te na espera___________________





Susana Duarte

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

"Alguém escuta

um grão de silêncio"



António Ramos Rosa



Foto: Susana Duarte

In memoriam: António Ramos Rosa


Vive-se Quando se Vive a Substância Intacta



Vive-se quando se vive a substância intacta
em estar a ser sua ardente harmonia
que se expande em clara atmosfera
leve e sem delírio ou talvez delirando
no vértice da frescura onde a imagem treme
um pouco na visão intensa e fluida
E tudo o que se vê é a ondeação
da transparência até aos confins do planeta
E há um momento em que o pensamento repousa
numa sílaba de ouro É a hora leve
do verão a sua correnteza
azul Há um paladar nas veias
e uma lisura de estar nas espáduas do dia
Que respiração tão alta da brisa fluvial!
Afluem energias de uma violência suave
Minúcias musicais sobre um fundo de brancura
A certeza de estar na fluidez animal

António Ramos Rosa, in "Poemas Inéditos"


http://www.astormentas.com/PT/poemas/Ant%C3%B3nio%20Ramos%20Rosa

sábado, 21 de setembro de 2013

Lo que me gusta de tu cuerpo es el sexo.

Lo que me gusta de tu sexo es la boca.

Lo que me gusta de tu boca es la lengua.

Lo que me gusta de tu lengua es la palabra. 

Julio Cortazar




O amor não é a semente, o amor é o semear.


MIA COUTO




"...e há olhos que choram para dentro, como as grutas." 

António Lobo Antunes.



sexta-feira, 20 de setembro de 2013

DIÁSPORA





Levantas as asas num voo rasante da alma vulcânica; transbordas de aromas de terra; em

ondas sísmicas, atravessas o rio que engole a indiferença e a efabulação.

Unes o vento e o mar num terremoto anímico onde voam sereias silenciosas e Orfeu canta.

Mas não olhas para trás. Sabes que é à tua frente que o caule inflorescerá. Invocas as

deusas, e serenas a dualidade da alma.

Insinuas a noite na desfolhada da pele que sintetiza o canto, que se fez manhã, e celebrou a

paixão. Deixas a claridade da dor invadir-te a alma e reconstróis, assim, a nuvem que

se volatilizou.

Sabes onde fica um deserto onde flores secretas desabrocham à noite. Flores, flores, flores

descobertas, antes ocultas do mundo, em casas fechadas- refúgio, anel, papoila rubra,

animal, noite, sofreguidão, solidão. Refúgio. Ali, onde alumias as noites, é o sítio onde

nasces e fazes nascer, onde tornas clara a profundidade da palavra – amor amor amor.

...

Letras. Soletras cada escama num peixe dos mares do sul. Soletras cada onda num sismo

tentacular que não te tolhe de mim. Sabes onde fica cada movimento, cada passo, cada

letra do nome que me deram. Ouves as aves em ilhas perdidas que ecoam a ausência.

Uno e indiviso, clamas por uma flor, que não queres encontrar. Dualidade. Ó onda, maré, ave

perdida no mar. Flor do sal do sal do sal, flor do sal que cai fina, na rede solta

que abriste aqui. Desata este nó, desata. Puxa a corda que estendeste e leva-me pela

penumbra do teu braço.

Iça-me. Leva-me. As velas são brancas, e tu és aqui. Marinheiro de mim, corredor de

distâncias, passeias a noite pelas mãos e ergues o dia com os olhos. Lava quente que

preenche a fenda na terra por lavrar. Pó, cascalho, pedra. A forma a começar. A escultura

que sai dos dedos.

Sabes, não sabes? Esculpes cada desejo num torno universal. Pulsões de vida. Eros e Tânatos.

Pequena morte. E tanta vida…Conchas. Sou concha na tua mão. A erosão do tempo que

nos trouxe aqui. Salvífica. Pedra escultórica. Animal. Lobo. Tigre. Águia em voo. Ave . Ave.

Ave.



Lava-me os olhos com a humidade transparente da tua voz. Metamorfoseia-me o ombro em

que fazes descer a luz. A luz, a noite. Tu e eu, eu e a atomização do ser. Despidos de

pudor, de pânico e de nós-seres-individuais, metamorfoseando-nos no ser indivisível que

o amor procura.

Unidade. Ser. Índio que dança na altura das rochas emanadoras de apego ao Universo.

Expectante. Dorido. As Moiras procuram-te. Mas é com Hermes que caminhas. Nos ventos

alíseos procuras o sopro da vida que permaneceu algures na linha temporal que o Cosmos

criou. Nos ventos solares, um raio de luz queima a terra onde navegam almas solitárias. A

diferença é a Procura. A Procura não da completude, mas da epifania do olhar-outro.

Cosmicidade. Passar além do Self. Lutar pelo outro. Descobres que amas. Que crias o

sonho do encontro. Encontro.

Insinuei-me na tua voz. Ouviste as vibrações das cordas vocais. Resistes ao apelo de Eros? É a

tua bela Helena? Ela, que ao espelho, se reflecte e teme? Que se olha, mas se não vê?

Que procura, no teu olhar, a magia da descoberta? Quem dera fosse visível o arrepio

anímico. Descobrir-te os recantos escondidos sob os braços genesíacos. Cobre-me o rosto

com o teu peito. Enche-me de ti. Respira-me a pele e deixa-me viver no teu olhar.

Sabedoria. Saber e não saber. Não saber e querer descobrir. Por momentos, a noite que se

levanta da alma. Um bater de asas de borboleta invoca a Criação. Génesis em mim.

Renasço em ti. Soluças um choro de sonho e conhecimento. Deixas de lado as coisas

gastas. Usas a vida para seres inteiro. Insondáveis desígnios universais, átomos que se

congregam. Odores voláteis que te trouxeram aqui. A imagem lávica da claridade solar

na curva dos olhos. Ficas? Fica…dissipa o nevoeiro e despe-me de pudor. Tira-me das

asas o fio invisível que lhes pus. Fica. Lobo. Ave. Ave. Ave. Rumamos ao centro do mundo,

para nos fundirmos com a Origem.


Susana Duarte
"Pescadores de Fosforescências"
Alphabetum Edições Literárias
Dezembro 2012


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

MÃOS





Há mãos que desenham sentidos ________________ e sentidos que se desenham nos corpos,

na chegada a casa e nos desenhos estendidos na pele________há mãos que desnudam corpos

e se agitam na alada e serena escuridão da noite ____________________e na serena enseada

onde despi as mãos de pudores e colhi as rochas firmes da tua vontade__________onde vesti

a pele com a tua pele_________________________e soube, nas mãos, onde pertencia a veste

que despi_________na noite de onde parti__________da solidão onde estava_____________

e da maré onde naveguei, levada por uma escuna breve que se encheu de luar na noite. De ti,

que me desenhas mãos nas costas, saberei___________________.Saberei onde estão conchas

nuas____________e onde se canta nas ruas: onde se beijam amantes nos recantos da paixão.

De ti, saberei de cor as notas com que apagas a solidão. De ti____________________o jazz,

em noite de verão. Das nossas mãos, as silhuetas contorcidas na noite dos corpos, e uma vela

acesa___________________onde cheira a baunilha e a mirtilos, e as mãos ali se entrelaçam,

no fogo____________________. No fogo das mãos, vivem águas, vivem rios e sonhos de ser

amante em mão alada, que se desprende levando-me consigo. Mãos.__________________.

Mãos de ser ave e mergulhar no grito que solto, se me enches o corpo de manhãs claras e és.

_____________És mão que luta na noite do medo de perder a veia onde navego.___________

O fogo que irrompe das ruas da cidade é aquele que cantas na enseada deste amor.amor.amor

grito, irrompido de um luar perfeito onde, ternas, repousam memórias de terem sido tuas, as
mãos que me habitam e te despem no sonho que se desenha nos meus cabelos. ___________



Susana Duarte
"Pescadores de Fosforescências"
Alphabetum Edições Literárias 
Dezembro de 2012

Imagem: retirada da net; autor que desconheço

terça-feira, 17 de setembro de 2013

ESPRAIAMENTO



Não quero ir para além do mar… Quero ficar na areia, onde posso dormir.

Não posso desviar-me do caminho da praia. Encontro, nela, asas perdidas.



Sabes de mim? Resido nos olhos da areia que se descola da ave.

Resido nos seixos que se escondem na rebentação das ondas.




Descubro caminhos erguidos nas dunas.

E nelas enceto viagens de mim em mim.



________De mim em ti._____________



Derreto pedras no calor das costas.



Mostras-me o caminho das areias…



Movo-me nos teus braços.

Navego-te, nas tuas pernas.



Deito-me.



Algaço.




Susana Duarte

Pescadores de Fosforescências

Alphabetum Edições Literárias

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Poema de Joaquim Monteiro

AUSÊNCIA

Inclina-te sobre o meu peito
Dorido da ausência

Deixa que o silêncio seja o mote
Inspirador do sangue

Anda comigo ao vale
Onde as amoras silvestres se misturam
Com as uvas doiradas dos lábios

E sente

Que a separação longa da ausência
É fogo no coração do medo
Iluminando as aves nocturnas do desejo.

Joaquim MONTEIRO







http://www.facebook.com/joaquim.monteiro.5?hc_location=stream
2013-09-12
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

nascida das nuvens, renascida em ti,
soçobro ante a visão das coisas. contigo, vivi
e soube das luzes da noite. nascida das chuvas
e das vidas vividas, renacida de ti, chão de uvas,
uvas-mosto de um setembro oculto, revivo na sombra,
a sombra etérea das gotas de chuva e a penumbra
dos olhos, iluminados pela cor cereja de uma vela.
nela, escondem-se os segredos dos amantes,
e dos dedos, e dos momentos delirantes
de milhares de segredos, inscritos
nos poros. inscritos em ti. nascida
das nuvens, renascida em ti, escrevo
diários de fumo na sofreguidão dos dias,
e na solidão dos dias, e na solidão fria
das noites. olho-te. fico em paz.
nasci das nuvens. renasci das tuas asas.
luz da minha sombra esquecida. vivo nas casas
onde existes. e morro na luz dos teus braços.

susana duarte


 metade de mim é silêncio. onde o silêncio habita as margens das veias, habita igualmente o mar tempestuoso  dos meus pensamentos. metade de...